domingo, 5 de dezembro de 2021

Março Marçagão (Conto popular português), de Teófilo Braga

 

MARÇO MARÇAGÃO
 


PRIMEIRA VERSÃO

Era uma vez um homem, que casou com uma mulher desmazelada, e depois dizia o homem: 

Oh mulher, oh mulher,
Eu mercara-te uma roca…

A MULHER
— Isso não, marido, não
Que me fá-la cara torta;
Com o dinheiro e com a roca
Compraremos um burrinho,
O burrinho leva os odres,
E os odres leva o vinho.

MARIDO
— Oh mulher, oh mulher,
Eu mercara-te umas meias…

A MULHER
— Isso não, marido, não
Que me fá-las pernas cheias.
Antes com esse dinheiro
Compraremos um burrinho,
O burrinho leva os odres
E os odres leva o vinho. 

***

SEGUNDA VERSÃO

Di-lo o homem:

— Oh mulher, tu não fias? tu não trabalhas?

— É um dia santo muito grande, não se pode hoje trabalhar.

Ao outro dia ele perguntou o mesmo, e ela o mesmo respondeu, e ele disse assim:

— Deixa, que aí vem o Março Marçagão que ele to dirá.

— E eu pego numas poucas de esteiras e boto-as no primeiro de Março a corar.

— Ele não quer esteiras, quer antes meadas.

O marido na véspera do primeiro de Março pegou num capote muito velho, cobriu-se para fingir um velho muito corcovado, e a mulher pela manhã cedo levantou-se e foi por muitas esteiras a corar; e ele apareceu-lhe ali em velho e disse assim:

— Essas são as meadas que tu tens para corar?

— São.

— Então teu marido não te dizia? Espera, que eu te falo.

Pega num pau, bateu, bateu até não poder mais, e deixou-a por morta. Assim que ela se pôde erguer foi para casa. A primeira coisa foi comprar roca e fiar. Depois já dizia o homem:

— Então era o que te eu dizia ou não? 

Março, Marçagão
Cura meadas
Esteiras não.

 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal
(Algarve e Porto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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