terça-feira, 16 de novembro de 2021

A mulher dengosa (Conto popular brasileiro), de Sílvio Romero

 

A MULHER DENGOSA

Era uma vez um homem casado com uma mulher muito dengosa, que fingia não querer comer nada diante do marido. O marido foi reparando naquelas afetações da mulher, e quando foi num dia ele lhe disse que ia fazer uma viagem de muitos dias. Saiu, e em vez de partir para longe, escondeu-se por detrás da cozinha, num coxo.

A mulher, quando se viu sozinha, disse para a negra:

 — Ó negra, faz aí uma tapioca bem grossa, que eu quero almoçar.

A negra fez e a mulher bateu tudo, que nem deixou farelo. Mais tarde ela disse à negra:

 — Ó negra, me mata aí um capão e me ensopa bem ensopado para eu jantar.

A negra preparou o capão, e a mulher devorou todo ele e nem deixou farelo. Mais tarde a mulher mandou fazer uns beijus muito fininhos para merendar. A negra os aprontou e ela os comeu. Depois já de noite ela disse à negra:

 — Ó negra, prepara-me aí umas macaxeiras bem enxutas para eu cear.

A negra preparou as macaxeiras e a mulher ceou com café.

Nisto caiu um pé d’água muito forte. A negra estava tirando os pratos da mesa, quando o dono da casa foi entrando pela porta adentro. A mulher foi vendo o marido e dizendo:

 — Oh, marido! Com esta chuva tão grossa você veio tão enxuto!?

Ao que ele respondeu:

 — Se a chuva fosse tão grossa como a tapioca que vós almoçastes, eu viria tão ensopado como o capão que vós jantastes; mas como ela foi fina como os beijus que vós merendastes, eu vim tão enxuto como a macaxeira que vós ceastes.

A mulher teve uma grande vergonha e deixou-se de dengos.


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Ano de publicação: 1883
Origem: Pernambuco (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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