terça-feira, 16 de novembro de 2021

A lebre encantada (Conto popular brasileiro), de Sílvio Romero

 

A LEBRE ENCANTADA

Havia em um reino um rei que tinha um filho. Um dia o rei estava muito doente e disse ao filho que fosse matar uma caça para ele comer. O príncipe saiu com uma espingarda e quando viu, foi sair do mato uma lebre toda branca. O príncipe correu atrás dela para pegá-la, quando de repente abriu-se um buraco no chão e a lebre entrou, levando consigo o príncipe. Quando este viu, estava dentro de um palácio muito bonito e rico, tendo nele uma princesa também muito formosa. O príncipe ficou tão encantado da beleza da princesa, que nunca mais se lembrou do palácio do pai e nem deste. Passado muito tempo, vai um dia o príncipe lavar as suas mãos e tira do dedo uma joia que o pai tinha lhe dado. Aí ele lembra de seu palácio e da família, e diz à princesa que ia vê-los. A princesa instou muito para que ele não fosse, mas ele disse que ia e tornava a voltar. A princesa então bateu com uma vara no lugar onde ela tinha entrado com o príncipe e o chão logo abriu-se e o príncipe passou. Quando chegou ao palácio do pai, achou-o todo coberto de luto e abandonado, pois já tinha morrido toda a família de desgosto por causa do desaparecimento do príncipe. Este ficou muito triste e não quis voltar mais para o palácio da princesa. Saiu sem destino tendo trocado a roupa de príncipe por uma de um sapateiro, e deu a uma cidade que estava toda em festa; ele foi e perguntou que festa era aquela; então disseram que era porque a princesa deste lugar era uma a mais bonita do mundo. O príncipe, que estava mudado em sapateiro, pediu que lhe mostrasse a princesa, e disse quando a viu que já tinha visto uma moça muito mais bonita.

Correram e foram logo dizer ao rei que aquele sapateiro disse que tinha conhecido uma princesa muito mais bonita do que a filha dele. O rei mandou chamar o sapateiro e disse que sob pena de morte ele havia de trazer a princesa à presença dele. O sapateiro pediu o prazo de quinze dias e saiu. Quando chegou ao lugar onde a lebre tinha entrado com ele, principiou a cavar. Levou muito tempo cavando porque a terra estava muito dura, mas afinal conseguiu passar.

Aí encontrou o palácio da princesa todo fechado. Ele bateu na porta e apareceu uma criada. Quando esta viu o príncipe disse:

 — Príncipe meu senhor, a princesa esta muito doente por sua causa; só o que diz é:

 — Ah! Ingrato, que foste e nunca mais viste quebrar meus encantos.

A criada disse mais, que naquele dia à meia-noite o mar crescia muito e afogava todo o palácio, e então entrava um peixe muito grande e engolia a princesa, mas se tivesse uma pessoa que matasse o peixe, quebrava os encantos da princesa. O príncipe quis ir falar com a princesa mas a criada disse que não, porque ela podia morrer mais depressa. Aí o mar principiou a crescer e a princesa a ficar pior. O príncipe foi ver uma espada e escondeu-se atrás de uma janela, o mar foi tomando o palácio, e quando foi meia-noite, que o peixe entrou para engolir a princesa, o príncipe meteu-lhe a espada e o matou. O mar foi diminuindo outra vez e a princesa escapou. Então o príncipe apareceu e a princesa ficou muito alegre e houve muita festa. Depois o príncipe disse:

 — Princesa, eu já lhe salvei a vida, agora é você que vai salvar a minha.

E contou que sob pena de morte havia de mostrar uma princesa mais bonita que a filha do rei. A princesa disse que ele fosse descansado. Ele saiu e chegou no outro reino no dia marcado. Já estava a forca armada para ele morrer. Então ele pediu ao rei que esperasse mais um pouco, quando se viu foi aparecer uma nuvem de prata. Veio descendo, descendo, quando chegou no meio do povo apareceu uma criada toda coberta de prata dizendo:

 — Arreda, povo, deixa botar a cadeirinha de minha sinhá.

Aí o povo ficou pasmado. O sapateiro tornou a pedir ao rei que esperasse mais um bocadinho, que ainda não era aquela. Apareceu outra nuvem de ouro e foi descendo e quando chegou no meio do povo apareceu uma criada toda coberta de ouro e disse:

 — Arreda, povo, deixa eu botar a cadeirinha da minha sinhá.

O sapateiro tornou a pedir ao rei que esperasse, quando apareceu uma nuvem de brilhante e foi descendo. Quando chegou no meio do povo apareceu uma moça linda e toda coberta de brilhantes, que era a princesa, e assentou-se no meio das duas criadas. Quando o rei e a princesa viram aquela beleza, reviraram de cima das janelas do palácio e caíram mortos.


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Ano de publicação: 1883
Origem: Pernambuco (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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