sábado, 1 de janeiro de 2022

Os três irmãos (Conto popular), de Sílvio Romero

 

OS TRÊS IRMÃOS

Um homem teve três filhos que lhe pediram para aprender cada um o seu ofício. João aprendeu a ferreiro, José a carpinteiro e Joaquim a barbeiro. João e José pediram depois ao pai para irem ganhar a sua vida, e lhe pediram a bênção. Joaquim também pediu para ir ganhar a sua vida, e em vez de bênção pediu a sua herança. Quando este saiu deu uma topada que despegou uma unha do pé, e disse:

— Diabo te leve, portada do inferno!

O pai respondeu: 

—Nele entrarás, maldito!

O filho partiu para se encontrar com os irmãos; andou mais de um mês e não os encontrou. Desenganando-se de os não encontrar deixou-se ficar numa cidade, e, por ser noite, foi dormir na guarda do tesouro. Nesta noite entraram quatro ladrões para roubarem o tesouro e Joaquim foi preso com eles. Não tendo Joaquim pessoa que o conhecesse, escreveu ao pai, que não lhe respondeu.

O ferreiro da cadeia mandou procurar um oficial do ofício e João se apresentou. Tomou parte na tenda e passou a contramestre, e depois a mestre. Precisou-se também de um carpinteiro e apresentou-se José. No dia em que este se apresentou na cadeia, saía Joaquim escoltado para a forca. Os dois irmãos foram-se empenhar com o rei e a rainha para o soltarem. O rei respondeu: 

— Minha palavra não torna atrás.

Partiram-se os irmãos sem esperança. Os quatro ladrões tinham sido absolvidos e toda a culpa recaía sobre Joaquim. Quando estava ele já para ser enforcado, chegou um cavaleiro, ordenando que suspendessem os trabalhos, e entrou pelo palácio adentro e disse ao rei: 

—Venho para que atendas ao pedido que te fizeram os irmãos daquele padecente; isto já quanto antes, senão morrerás tu e ficará ele salvo e com a coroa.

Num abrir e fechar de olhos, deu o cavaleiro, que era o demônio, três estouros, e morreu o rei, ficando Joaquim com a coroa. João e José ficaram como vassalos do irmão. O boato de tal grandeza chegou aos ouvidos do pai de Joaquim, que correu e foi pedir perdão ao filho pelo que lhe tinha dito, quando saíra ele de casa. Joaquim respondeu-lhe: “Eu passei por muitos maus transes e quem me salvou foi o diabo; quem há de valer a vossemecê dos mesmos transes será rainha mãe:

Quero agora que me mostre
traste que desde que nasci
nunca, nunca eu conheci!
Para a sua salvação
quero me diga afinal
onde foi ela parar...

Respondeu o velho: 

— Rei senhor, filho meu, tua mãe eu a matei por ter dado à luz três filhos de uma vez; eu te criei com leite de uma vaca que está em poder do Rei das Colunas no Campo das Feras.

O rei disse: 

— Quero minha mãe e a vaca que me amamentou, e isto sem demora.

Retirou-se o velho muito triste; encontrou um cavaleiro que lhe perguntou o que tinha, ao que o velho respondeu que nada sofria, mas sentia ir morrer por vontade de seu filho: “porque para livrar-me é preciso dar-lhe conta de minha mulher e de uma vaca; a mulher matei-a e a vaca vendi-a. Não tenho remédio; estou perdido.” Respondeu o cavaleiro: 

— Não digas tal; tudo isto tem remédio. Quando acabares de percorrer os três rios deste reinado, hás de achares o que procuras; os rios distam uns dos outros mil léguas.

Tratou o velho de seguir viagem. 

No cabo de quinhentos dias chegou ao primeiro rio. Ficou na margem do rio, por o não poder atravessar, e à noite deitou-se debaixo de um arvoredo. À meia-noite chegaram os diabinhos para fazerem suas visagens; no mesmo instante o velho acorda e põe-se a escutar. Pergunta o diabo mais velho: 

— Ó capenga, diz-me o que fizeste?

Respondeu o capenga: 

— No reino das Três Colunas eu fiz uma mulher conceber três filhos de uma só vez; porque sabia que o marido a havia de matar.

Os diferentes diabinhos foram contando as suas façanhas: — Eu fiz o marquês da Bruma queimar as librés dos seus criados; — eu tenho a filha da condessa escondida no Vale do Sultão; — eu fiz a princesa namorar o estribeiro do rei; eu fiz a rainha vender a coroa.

Cada diabo dava uma resposta destas. Findou-se a sessão. O velho levantou-se e pôs-se a viajar. No fim de quinhentos dias chegou ao segundo rio, e aí na margem deitou-se a dormir. À meia-noite começaram as fadas a chegar para fazer seu ajuntamento. Disse a fada mais velha: 

— Fademos, manas, o que fizeram?

Começaram as fadas a dar as suas respostas: 

— Eu fiz um rei deserdar do trono a princesa; 
— eu fiz o Reino das Maravilhas encantar-se, só o desencantará o João ferreiro, que é vassalo do irmão; —  eu encantei a Cidade de Âmbar, só a desencanta o José carpinteiro; — eu encantei o Reino das Três Colunas, só o desencantará Jorge, pai dos três felizes, que todos três hão de ser reis, depois que o pai andar mil e quinhentos dias; terá de passar três dias debaixo d’água e ser comido pela serpente; depois de tudo isto será feliz.

O velho só por ouvir isto já estava mais morto do que vivo, por ver que tinha de passar tantos trabalhos. Pôs-se a caminho sem descansar. Estando muito fatigado, deitou-se num capão de mato e pegou no sono. Então ouviu uma voz que lhe dizia:

— Levanta-te, segue tua viagem senão serás vítima de uma serpente.

O velho acordou e pôs-se a correr; mas já era tarde, e foi engolido vivo por uma serpente. No ventre da serpente esteve o Jorge 496 dias, quando ela entrou num rio e levou três dias no fundo como se fosse peixe. Depois foi dar à costa nas matas encantadas do reino das Três Colunas, e aí morreu, saindo para fora o velho ainda vivo, mas muito magro e abatido. Pegou no sono e ouviu uma voz que dizia:

— Levanta-te, acompanha-me, pega estas chaves, abre aquela porta, e vai abrindo quantas fores achando; hás de ver dentro de uma bola de vidro um cabelo, dentro de uma caixa uma pedra e dentro de uma gaveta uma espada. Amola esta espada até ficar bem afiada e corta o cabelo nos ares. Se o não cortares de uma só cutilada, todos os bichos ferozes virão sobre ti e te devorarão. Se cortares de uma só vez serás feliz.

Jorge seguiu tremendo e medroso; abre as portas e encontra os objetos: amolou a espada um dia inteiro. Depois deu o golpe no cabelo e o cortou, enchendo a casa de sangue, tantos pingos quantos soldados. Achou sua mulher e a sua vaca.

Houve muitas festas, mandando Jorge todos adorar a vaca. Ficou bem com seu filho, e foram todos felizes.


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Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2022)

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