sábado, 1 de janeiro de 2022

História de João (Conto Popular), de Sílvio Romero

 

HISTÓRIA DE JOÃO

Houve um homem que teve um filho chamado João: morrendo o pai o filho herdou um gato, um cachorro, três braças de terra e três pés de bananeiras. João deu o cachorro ao vizinho, vendeu as bananeiras e as terras, e comprou uma viola. Foi tocar no pastorador das ovelhas do rei; quando o pastor chegava, ele se escondia, e nunca o pastor podia ver quem tocava a viola. As ovelhas, já muito acostumadas com o som da viola, não queriam mais se recolher ao curral, e quando o vaquejador as perseguia elas se metiam pelo mato, e cada dia desaparecia uma cabeça. João as ia ajuntando e exercitando ao som da viola todas as manhãs e tardes, e acostumando-as com o gato seu companheiro. O rei vendo as suas ovelhas sumidas, e pensando ser desmazelo do pastor, o despediu. Vindo João à feira fazer compras para levar para o mato, viu um criado do rei procurando um homem ou menino que quisesse ser pastejador de suas ovelhas. Logo que o criado viu a João se agradou dele, e disse: 

— Amarelo, queres tu servir ao rei como seu pastor?

Respondeu João: 

— Que qualidade de rei é este que não caça e pasta no mato e precisa de ser pastorado? Esse rei é de pena, pelo ou cabelo?

O criado insultou-se, e disse-lhe: 

— Como te chamas?

João respondeu: 

— O Menino Ditoso.

O criado tomou-lhe o nome e largou-se para o palácio, e contou ao rei o que se tinha passado. Logo o rei mandou buscar o Ditoso debaixo de prisão. Chegou João com a sua viola e o gato metido num saco, e disse:

Deus vos salve, rei senhor,
nesta sua monarquia!
Salve a mim primeiramente
e depois a companhia.

Disse o rei: 

— Saibas que estás com sentença de morte, se não deres conta de todas as ovelhas que fugiram do rebanho.

Respondeu o Ditoso: 

— Eu sei lá quantas ovelhas faltaram no rebanho! 

Disse o rei: 

— Fugiram mil e quero todas aqui.

Retirou-se o João bem fresco; foi para o mato e deitou-se a dormir, e o gato foi caçar rolas para o jantar. Chegando a tarde, acordou o Ditoso e viu que nada ainda tinha feito, e pôs-se a tocar viola. Logo se reuniram todas as ovelhas, que eram duas mil e trezentas. Ele foi tocando a viola e seguindo para o palácio do rei, e as ovelhas foram acompanhando. O rei ficou espantado de ver tantas ovelhas, e disse-lhe: 

— Como pudeste ajuntar tantas ovelhas?

Respondeu: 

— Achei-as à toa.

— Serão minhas todas?  perguntou o rei. 

— Quem sabe não sou eu; veja se as conhece, eu trouxe as que encontrei.

— Tu agora tomarás conta do rebanho, que agora és meu pastor.

No outro dia antes do sol sair, o Ditoso pediu que batessem na porta do rei e dissessem que era tempo de seguirem para o mato. O rei acorda e chega à janela e diz: 

— Vai, Ditoso, pastorar.

O Ditoso respondeu: 

— Não posso sair sem rei, senhor, seguir no meio do rebanho, visto ser eu seu pastor, como disse.

— És o pastor das ovelhas do rei  disse este. 

— Agora sim — respondeu João  já me convenço de que o rei, meu senhor, não é de lã, nem de pena ou pelo; é rei de cabelo.

Nisto seguiu com o gato e as ovelhas para o mato.

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Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2022)

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