sábado, 4 de dezembro de 2021

Pedro de Malas-Artes (Conto popular português), de Teófilo Braga

 

PEDRO DE MALAS-ARTES 

Uma pobre mulher tinha um filho, que era assim atolado, e porque nunca fazia nem dizia nada acertado, chamavam-lhe o Pedro das Malas-Artes. A mulher não tinha senão aquele filho, e por isso estimava-o. Um dia trouxe a mulher para casa uma teia de linho, que tinha deitado, e disse:

— Este pano é para nós taparmos os nossos buraquinhos.

Assim que a mulher saiu, e se demorou na missa, o filho foi à teia de linho, cortou-a em bocadinhos e começou a metê-los pelos buracos das paredes do casebre. Quando a mãe chegou, ele disse-lhe muito contente:

— Mãe, olhe como estão tapados os nossos buraquinhos.

A mãe conheceu a tolice, lamentou os seus pecados, e fê-lo prometer que nunca mais tornaria. No dia seguinte disse ao filho que fosse à feira comprar um bácoro e o trouxesse para casa. Esperou, esperou, e como o filho não acabava de vir, foi a ver se o encontrava; achou-o caído no chão com o porco em cima de si, porque tinha entendido que o havia de trazer às costas, e ele era bastante pesado. A mulher chorou, afligiu-se, e explicou:

— Isto traz-se para casa, com um cordelzinho amarrado pelo pé, e toca-se para diante com uma varinha.

Pedro de Malas-Artes, ouviu aquilo para seu governo; passados dias a mãe mandou-o que fosse à feira comprar um cântaro. Quando ele chegou a casa, trazia só a asa.

— Que é isto, Pedro? Onde está o cântaro que te mandei buscar.

Disse ele à mãe:

— Amarrei-lhe um cordelzinho pela asa, e toquei-o para diante com uma varinha; fiz como minha mãe me disse no outro dia.

A mãe tornou a lamentar-se, e disse-lhe:

— Se tu tivesses juízo trazias o cântaro na mão, ou então entre palha, nalgum carro que viesse para as nossas bandas.

Vai nisto mandou-o a uma loja comprar um vintém de agulhas; Pedro de Malas-Artes trouxe as agulhas, e como ia passando um carro de palha aproveitou a ocasião e despejou as agulhas entre a palha. Chega a casa, e pergunta-lhe a mãe pelas agulhas:

— Vem aí no carro da palha do nosso vizinho; botei-as lá, como minha mãe me disse no outro dia.

A mãe já estava cansada de tanta tolice, e já tinha medo de o mandar a algum recado. Um dia comprou tripas para guisar para o jantar e disse a Pedro de Malas-Artes:

— Vai ali à beira do rio lavar essas tripas, e não mas tragas cá sem que estejam bem limpas.

— Mas eu como é que hei de saber que as tripas estão limpas?

— Pergunta a alguém, que te diga.

Foi Pedro de Malas-Artes lavar as tripas; lavou, tornou a lavar, e como não passava ninguém, lavava que lavava. Até que lá ao longe viu vir um barco à vela e a remar, porque havia calmaria, e pôs-se a acenar e a chamar. A gente do barco pensando que era algum passageiro abicou à praia, lutando contra a corrente, quando Pedro de Malas-Artes perguntou:

— Olhem lá; os senhores dizem-me se estas tripas já estão bem lavadas?

A gente do barco ficou desesperada, saltaram em terra, deram-lhe muita pancada e disseram por fim:

— O que tu deves dizer, é que sopre muito vento.

Foram-se embora. Pedro de Malas-Artes ia para casa, e aconteceu passar por um campo onde se andava ceifando trigo e armando as paveias, e começou a dizer:

— O que é preciso é que sopre muito vento; que sopre muito vento.

A gente que andava ceifando ficou desesperada, e vieram bater-lhe, dizendo:

— Oh estuporado, não sabes que o muito vento nos espalhava o trigo todo? O que é preciso é que não caia nenhum.

E deixaram-no ir embora. Foi-se Pedro e passou por um campo onde estavam uns homens armando uma rede para apanhar pássaros, e começou a dizer:

— O que é preciso é que não caia nenhum, que não caia nenhum.

Vêm os homens da rede, bateram-lhe muitas, e clamaram:

— O que tu deves dizer, é que assim haja muito sangue.

Passa Pedro por um caminho onde estavam dois homens engalfinhados brigando, e outros também querendo apartá-los, e entra a dizer em altos gritos:

— Assim haja muito sangue, assim haja muito sangue.

Já se sabe, vieram ter com ele e deram-lhe muitas pancadas, e disseram-lhe:

— O que tu deves dizer é que Deus os desaparte, Deus os desaparte.

Vai-se Pedro de Malas-Artes por ali adiante, quando vinha um grande acompanhamento com um noivo e noiva que acabavam de se casar. Começa ele:

— Assim Deus os desaparte, assim Deus os desaparte.

Os convidados deram-lhe muita pancada e disseram:

— Oh homem, o que tu deves dizer é que destes cada dia um.

Indo mais para diante encontra um enterro de um homem muito estimado na terra, e entra a bradar:

— Destes cada dia um, cada dia um.

A gente que seguia o enterro não teve mão que lhe não batesse muita pancada, e disseram-lhe:

— O que você deve dizer é que nosso senhor o leve direitinho para o céu.

Vai mais para diante, e vinha passando um batizado, e começa Pedro de Malas-Artes:

— Nosso senhor o leve direitinho para o céu.

Os padrinhos da criança tomaram aquilo por mau agouro, e desancaram Pedro de Malas-Artes, que botou a fugir e se não chegasse a casa ainda andava a levar pancadas por esse mundo.


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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Porto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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