terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O aprendiz de mago (Conto popular português), de Teófilo Braga

 

O APRENDIZ DE MAGO
 

Um homem de grandes artes tinha na sua companhia um sobrinho, que lhe guardava a casa quando precisava sair. De uma vez deu-lhe duas chaves, e disse: 

– Estas chaves são daquelas duas portas; não mas abras por coisa nenhuma do mundo, senão morres. 

O rapaz, assim que se viu só, não se lembrou mais da ameaça e abriu uma das portas. Apenas viu um campo escuro e um lobo que vinha correndo para arremeter contra ele. Fechou a porta a toda a pressa passado de medo. Daí a pouco chegou o Mago: 

– Desgraçado! para que me abriste aquela porta, tendo-te avisado que perderias a vida? 

O rapaz tais choros fez que o Mago lhe perdoou. De outra vez saiu o tio e fez-lhe a mesma recomendação. Não ia muito longe, quando o sobrinho deu volta à chave da outra porta, e apenas viu uma campina com um cavalo branco a pastar. Nisto lembrou-se da ameaça do tio e já o sentindo subir pela escada, começou a gritar: 

– Ai que agora é que estou perdido! 

O cavalo branco falou-lhe: 

– Apanha desse chão um ramo, uma pedra e um punhado de areia, e monta já quanto antes em mim. 

Palavras não eram ditas, o Mago abriu a porta da casa: o rapaz salta para cima do cavalo branco e grita: 

– Foge! que aí chega o meu tio para me matar. 

O cavalo branco correu pelos ares fora; mas indo lá muito longe, o rapaz torna a gritar: 

– Corre! que meu tio já me apanha para me matar. 

O cavalo branco correu mais, e quando o Mago estava quase a apanhá-los, disse para o rapaz: 

– Deita fora o ramo. 

Fez-se logo ali uma floresta muito fechada, e, enquanto o Mago abria caminho por ela, puseram-se muito longe. Ainda o rapaz tornou outra vez a gritar: 

– Corre! que já aí está meu tio, que me vai matar. 

Disse o cavalo branco: 

– Bota fora a pedra. 

Logo ali se levantou uma grande serra cheia de penedias, que o Mago teve de subir, enquanto eles avançavam caminho. Mais adiante, grita o rapaz: 

– Corre, que meu tio agarra-nos. 

– Pois atira ao vento o punhado de areia, disse-lhe o cavalo branco. 

Apareceu logo ali um mar sem fim, que o Mago não pôde atravessar. Foram dar a uma terra onde se estavam fazendo muitos prantos. O cavalo branco ali largou o rapaz e disse-lhe que quando se visse em grandes trabalhos por ele chamasse mas que nunca dissesse como viera ter ali. O rapaz foi andando e perguntou por quem eram aqueles grandes prantos. 

– É porque a filha do rei foi roubada por um gigante que vive em uma ilha aonde ninguém pode chegar. 

– Pois eu sou capaz de ir lá. 

Foram dizê-lo ao rei; o rei obrigou-o com pena de morte a cumprir o que dissera. O rapaz valeu-se do cavalo branco, e conseguiu ir à ilha trazendo de lá a princesa, porque apanhara o gigante dormindo. 

A princesa assim que chegou ao palácio não parava de chorar. Perguntou-lhe o rei: 

– Por que choras tanto, minha filha? 

– Choro porque perdi o meu anel que me tinha dado a fada minha madrinha e, enquanto o não tornar a achar, estou sujeita a ser roubada outra vez ou ficar para sempre encantada. 

O rei mandou lançar o pregão em como dava a mão da princesa a quem achasse o anel que ela tinha perdido. O rapaz chamou o cavalo branco, que lhe trouxe do fundo do mar o anel, mas o rei não lhe queria já dar a mão da princesa; porém ela é que declarou que casaria com o jovem para que dissessem sempre: Palavra de rei não torna atrás.

 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal
(Eixo - Aveiro)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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