sábado, 4 de dezembro de 2021

A torre de Babilônia (Conto popular), de Teófilo Braga

 

A TORRE DE BABILÔNIA
 

Era uma vez um pescador, que indo certo dia ao mar encontrou o rei dos Peixes. O rei dos Peixes pediu-lhe que o não levasse. O pescador consentiu, mas a mulher tanto fez com ele, dizendo-lhe que lhe levasse o rei dos Peixes, que o pescador não teve remédio senão levá-lo.

A pescada mandou então ao homem que a partisse em cinco postas: uma para a mulher, outra para a égua, outra para a cadela, e duas para serem enterradas no quintal. Assim aconteceu.

Da mulher nasceram dois rapazes; da égua dois cavalos; da cadela dois leões, e do quintal duas lanças. Os rapazes cresceram; quando estavam já grandes, pediram ao pai que os deixasse ir viajar. Partiram cada um com sua lança, seu leão e seu cavalo.

Ao chegarem a um sítio onde havia dois caminhos, um tomou por um, e outro por outro, prometendo auxiliarem-se se algum deles precisasse de socorro. Um deles foi ter a um monte onde viu uma donzela quase a ser vítima de uma bicha de sete cabeças. O rapaz matou a bicha e casou com a donzela. Um dia, estavam ambos à janela, e o rapaz ao avistar ao longe uma torre, disse:

— Que torre é aquela?

— É a torre de Babilônia
Quem vai lá nunca mais torna.

— Pois hei de ir lá eu, e hei de tornar.

Fez-se acompanhar do leão, pegou na lança, montou a cavalo e seguiu. Na torre havia uma velha, que ao ver o cavaleiro, cortou um cabelo da cabeça, e disse:

— Cavaleiro, prende o teu leão a este cabelo.

O cavaleiro assim fez; mas vendo que a velha se dirigia contra ele, disse:

— Avança, meu leão.

E a velha respondeu:

— Engrossa, meu cabelão.

Nisto o cabelo da velha transformou-se em grossas correntes de ferro e o cavaleiro caiu num alçapão da torre.

Algum tempo depois o outro rapaz chegou a casa do irmão, mas como ambos eram muito parecidos (só este tinha na face um sinal) a cunhada facilmente o tomou pelo marido e deu-lhe pousada nessa noite.

Ao outro dia estavam ambos à janela e o cunhado ao avistar a torre velha, perguntou:

— Que torre é aquela?

— Já te disse, homem, que

Era a torre de Babilônia
Quem vai lá nunca mais torna.

— Pois hei de eu lá ir e hei de voltar.

Aprontou-se exatamente como o irmão, e marchou em direção à torre. Assim que a velha o viu, disse-lhe para prender o leão ao cabelo. O rapaz fingiu que o prendia, mas deixou cair o cabelo. Então a velha correu para ele. O rapaz disse:

— Avança meu leão!

E a velha:

— Engrossa meu cabelão.

O cabelo não engrossou e o leão avançou. A velha:

— Não me mates, que eu dou-te muitas riquezas.

O cavaleiro não se importava. A velha:

— Não me mates, e aqui tens um vidrinho que desencanta todas as pessoas encantadas na torre.

O cavaleiro recebeu o vidro; mandou avançar o leão, e matou a velha. Depois desencantou todos que estavam na torre. O irmão, porém, apenas soube que a mulher por engano havia quebrado os laços conjugais, assassinou o seu salvador. 

 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Porto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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