quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O pássaro mavioso (Histórias da avozinha), de Figueiredo Pimentel

 

O PÁSSARO MAVIOSO

Sebastião nascera de pais opulentos. Desde a mais tenra infância vivia no meio de grande esplendor, só vestindo seda, gorgorão, veludo, rendas finas; deitava-se em berços riquíssimos e luxuosos; tinha à sua disposição toda a sorte de brinquedos. No entanto, a natureza fê-lo cretino, pateta, tatibitate.

Aos oito anos começou a frequentar bons colégios, e a aprender com professores célebres. Contudo, nunca perdia o ar de tolo que tinha desde criança.

O Sr. Leocádio, seu pai, resolveu um dia mandá-lo viajar, para ver se ele assim conseguia melhorar.

Uma manhã Sebastião saiu com bastante dinheiro nas algibeiras, e começou a correr terras.

Depois de viajar algum tempo, foi ter a uma cidade onde estavam fazendo leilão de um pássaro que todo o mundo porfiava para ver se o arrematava.

Indagando Sebastião porque motivo naquela terra um passarinho custava tão caro, disseram-lhe que todo o mundo desejava possuir aquele, porque, quando ele cantava, todos que o ouviam adormeciam no mesmo instante.

Em vista disso o moço lançou elevada quantia e ficou com o pássaro.

Prosseguindo na viagem foi ter a outra cidade, onde se estava vendendo um besouro que já estava por elevadíssimo preço.

Sebastião, aproximou-se de um dos homens que estavam no leilão e perguntou:

— Qual é a preciosidade desse besouro para se pedir tão caro por ele?!...

— É que ele invisivelmente faz tudo quanto a gente mandar, e é capaz de arrombar uma porta por mais forte que seja.

O moço arrematou o besouro e seguiu adiante.

Chegando a outro país, viu outro leilão, onde toda a gente oferecia grandes somas para ver se arrematava um ratinho.

Inquirindo da vantagem de semelhante animal, disseram-lhe que aquele rato tinha a particularidade de fazer tudo o que se lhe mandava, e, além disso, era capaz de furar paredes sobre paredes, sem ser pressentido.

Achando que esta terceira preciosidade poderia convir-lhe mais tarde o rapaz arrematou o ratinho e levou-o consigo.

Ao cabo de muitas semanas de jornada chegou por fim a um reino, onde viu imensa multidão fazendo caretas em frente à janela onde estava a princesa Carlota, filha do rei.

Perguntando o que significava aquele povo parado a fazer gatimonhas, responderam-lhe que intentavam ver se conseguiam fazer a princesa rir; e explicaram-lhe que ela, desde que nascera, nunca se rira; e que se casaria com ela aquele que o conseguisse, segundo promessa do rei.

Sem se importar com aquela gente, Sebastião dirigiu-se para baixo das árvores, que ficavam em frente ao palácio, apeou-se do cavalo, e pendurou a gaiola do pássaro num galho.

Ia sentar-se, para descansar, quando se dirigiu para os animais, dizendo:

— Agora, mestre rato, vá buscar água para o cavalo, e tu, besouro, traze capim.

Os dois bichinhos foram fazer o que lhes mandava seu amo. Assim que a princesa viu o besouro trazendo capim para o cavalo, desandou em gostosa gargalhada.

As pessoas que se achavam debaixo da janela, começaram a dizer:

— Fui eu quem fez a princesa rir.

— Fui eu, dizia outro.

E cada qual se julgava ser o único causador de tão grande acontecimento, esperando em vista disso casar-se com a interessante Carlota, e vir a reinar por morte do velho monarca.

O rei, admirado, e ao mesmo tempo para não ter dúvidas, perguntou à filha quem tinha sido o autor daquele assombro.

— Foi aquele homem, disse a princesinha, que está sentado embaixo da árvore, com uma gaiola e outros bichos mais.

Sua majestade imediatamente ordenou que Sebastião viesse à sua presença e comunicou-lhe que tinha de casar com a princesa.

O moço ficou espantado, por não esperar por aquilo, e como sabia que a vontade do rei havia de ser cumprida, teve de se casar.

Na noite do casamento mostrou-se ele muito acanhado. A princesa desconfiando ser pouco caso que o rapaz lhe mostrava, no dia seguinte foi dizer ao rei que estava enganada que não fora aquele, e sim outro, o homem que a fizera rir.

Anulou-se o casamento com Sebastião, e fez-se com outro.

Na noite do casamento, o moço que tinha voltado para debaixo da árvore, calculando a hora em que os noivos deviam ir para o quarto, falou para o passarinho:

— Canta, rouxinol!...

 O pássaro abriu o bico e todos no palácio ferveram no sono.

O rapaz dirigiu-se ao besouro:

— Agora, entra tu no quarto dos noivos, desarruma tudo, e faze lá dentro uma mixórdia.

O besouro fez a sua obrigação melhor do que se pode imaginar.

Ao outro dia, quando a princesa viu aquela desordem, ficou muito contrariada, e foi-se queixar ao rei que aquele não era o homem que ela supunha, e que queria desmanchar o casamento.

O rei ficou aborrecido, e disse-lhe que esperasse mais alguns dias para ver.

Na noite seguinte, depois de todos novamente dormirem com o canto do pássaro mavioso, Sebastião, mandou o rato desmanchar tudo quanto houvesse no quarto da princesa.

O rato ainda melhor que o besouro, pôs tudo numa desordem impossível.

Carlota, a princesa, ao acordar, vendo tudo aquilo foi dizer ao pai que não havia mais dúvida, que o seu primeiro marido era o verdadeiro.

Sebastião foi chamado, e ficaram os dois casados, tornando-se ele um moço desembaraçado, bem falante, conversador, espirituoso e inteligente. Desde esse dia, ambos viveram felicíssimos, e nunca mais se queixou a formosa princesa do pouco caso que lhe ligava seu marido.

 

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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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