quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O peixe encantado (Histórias da avozinha), de Figueiredo Pimentel

 

O PEIXE ENCANTADO

Roberto era muito trabalhador e serviçal. Sempre que alguém precisava dos seus serviços, prestava-os de boa vontade, sendo por esse motivo estimadíssimo por toda a gente que o conhecia.

Tinha ele três filhas, cada qual mais bonita, principalmente a mais moça, de beleza extraordinária, chamada Marocas.

A pobre família vivia da pesca que o homem fazia todas as madrugadas, indo, durante o dia, vender o peixe pelas ruas da cidade próxima.

O seu único sustento e de toda a sua numerosa família era a pesca. Parte da noite, até romper a manhã, Roberto passava pescando. Durante o dia, ia vender o peixe de casa em casa. À tarde tratava da canoa, das linhas e das redes.

Feliz no seu negócio, trazia sempre a canoa cheia de peixes grandes e bons.

Um dia lançou a rede ao mar e nada trouxe.

Lançou-a outra vez, e só vieram peixinhos pequenos, que nada valiam.

No dia seguinte aconteceu-lhe o mesmo que na véspera. Deitou a rede diversas vezes; e, nada tendo conseguido, ia voltar para casa, desolado, pensando que naquele dia sua família não teria o que comer.

De súbito ouviu uma voz que partia do mar:

— Roberto, terás muito peixe, se me prometeres trazer o que avistares, assim que chegares à casa.

O pescador respondeu que daria, pois sempre chegava à praia, encontrava o cachorrinho de Marocas, que ia esperá-lo, latindo e saltando alegremente.

Tendo-o prometido, os peixes começaram a saltar para a canoa, e ele nesse dia obteve muito dinheiro com a sua venda.

De volta o pobre velho ia quase abicando à praia, contentíssimo por ter dinheiro para dar à família, quando ao olhar para a terra viu sua filha mais moça, Marocas, justamente aquela por quem tinha maior predileção.

Ficou desesperado, aturdido, triste, lembrando-se da promessa e chegando à casa contou à família o que se tinha passado.

Quando acabou de falar a menina respondeu:

— Meu pai, não chore por tão pouco. Eu vou e estou certa de que é para meu bem. Com certeza serei muito feliz, e demais minha família terá sempre com que se sustentar.

Roberto vendo como a filha se sacrificava por ele de tão boa vontade, ficou menos pesaroso. No dia seguinte, pela madrugada, embarcou com ela na canoa de pesca.

Assim que chegou ao lugar onde ouvira a voz, as águas se separaram um pouco, e o pescador atirou Marocas, que desapareceu imediatamente.

Voltou para terra com a canoa cheia de peixes, sem ter sido preciso lançar a rede.

A moça foi ter a um palácio no fundo do mar, habitado pelo Rei dos Peixes, que fora quem havia falado ao pescador.

Encontrou aí tudo quanto lhe era necessário: salas e quartos mobiliados, vestidos riquíssimos e joias de subido valor.

Entre essas joias havia um anel de brilhantes, muito rico, com uma dedicatória feita pelo soberano dos peixes.

Contudo, apesar de tudo isso, Marocas vivia tristíssima, porque não via pessoa alguma, principalmente os seus.

O serviço da casa era feito por encanto, pois nunca vira um ser vivente no palácio, e os objetos estavam sempre em ordem.

Depois de já estar habituada àquela solidão, na noite, quando já estava deitada, a formosa Marocas ouviu ruído.

Sentiu-se receosa, assustada, esperando ver entrar algum monstro, algum bicho que viesse matá-la.

Sossegou, porém, ao ver entrar um enorme peixe, com uma coroa de ouro na cabeça.

Era o rei dos Peixes. Entrou silencioso, quase sem fazer bulha, andando naturalmente em seco como se estivesse na água.

O rei entrou dentro, e logo após saiu, aparecendo aos olhos deslumbrados da jovem um moço elegante e lindo, ricamente vestido à corte, com trajes de gala, que bem indicavam o seu nascimento real. Sempre calado, aproximou-se da moça e pôs-se a contemplá-la, enleado, maravilhado.

Marocas disse-lhe então:

— Príncipe, por que não vieste há mais tempo?

— Porque receei que, vendo um peixe tão feio, tivesses medo. Se vim hoje admirar tua beleza, foi porque julgava que dormias.

Desde esse dia, Marocas e o rei dos Peixes viveram juntos, completamente felizes. O serviço do palácio continuava a ser feito por encanto. O único ser vivo que a moça via era o Rei-peixe e sempre nessa figura.

Apenas uma vez, de sete em sete dias, deixava aquela aparência, para vir a ser o príncipe encantador, divinamente belo, que era em verdade.

Estavam casados havia já um ano, quando uma vez, Marocas lhe pediu, rogou, suplicou, insistentemente que a deixasse ir ver sua família.

— Podes ir, respondeu o príncipe, mas com a condição de só te demorares lá uma semana. Quando quiseres voltar, põe este anel no dedo, que imediatamente estarás aqui. E deu-lhe um anel de aço.

A moça pôs num baú muita roupa e presentes que levou à família, e no dia seguinte quando o velho Roberto veio pescar, apareceu na canoa e foi com ele para terra.

Em casa ficaram todos muito alegres ao vê-la, e sua mãe e suas irmãs começaram a indagar como vivia ela; se estava satisfeita; se o noivo era bonito.

Marocas respondeu que julgava que era, que não garantia, pois só via o príncipe de noite.

Lembraram-lhe, então, a conveniência de levar para o fundo do mar um pedaço de vela, para saber se o rei de fato era bonito.

A jovem concordou. Ao sexto dia, chegando ao palácio, não dormiu à noite, esperando que o príncipe adormecesse primeiro que ela.

Assim que o ouviu ressonar, saiu da cama, com a vela acesa, e foi se certificar da beleza do noivo. Tendo porém, chegado a vela muito perto, deixou cair um pingo de sebo no peixe. Ficou trêmula de medo, receando que ele acordasse, e com o tremor, derramou mais outros pingos, os quais se transformaram em chagas.

O Peixe-rei acordou, sofrendo horrivelmente, e exclamou:

— Foste tu a causa destas chagas. Se quiseres viver comigo, tens que me procurar num lugar muito distante daqui, chamado pico do Amor.

Assim que o peixe acabou de dizer essas palavras, desapareceu por encanto, e Marocas viu-se num lugar deserto, em meio de uma mata virgem.

Começou a caminhar muito triste; e, como estava fatigada, sentou-se debaixo de uma árvore, e ouviu esta conversa:

— O rei dos Peixes está muito mal e ninguém pode pô-lo bom, porque não sabem qual é o remédio necessário.

Disse outra voz:

— Nada mais fácil, basta apanhar três de nós, torrar-nos e colocar esse pó nas feridas.

Disse uma terceira voz:

— Ai de nós, se souberem disso!...

A moça levantou-se para ver onde estavam as pessoas que assim falavam.

Ficou admirada quando viu três andorinhas, que conversavam no alto de uma árvore.

Armou um laço e apanhou-as. Imediatamente torrou-as, guardando cuidadosamente o pó.

Continuou a andar, até que chegou finalmente ao pico do Amor, por onde se entrava para o palácio do rei dos Peixes.

Soube que ele estava quase para morrer e pediu que a deixassem falar com o rei, o que os criados não consentiram. Não desanimou. Insistiu outra vez, tanto, tanto, que conseguiu mandar-lhe um prato de mingau.

O príncipe começou a comê-lo, e quando pôs a segunda colherinha na boca, sentiu que havia um caroço misturado no mingau. Foi ver o que era, e reconheceu o anel que tinha dado à filha do pescador.

Ordenou que trouxessem a mendiga ao quarto e conheceu a moça.

Dias depois já estava restabelecido, graças ao remédio das andorinhas que Marocas trouxera.

Voltaram ao Palácio do Mar, apanharam todas as riquezas e foram morar em terra.

Mandaram buscar o pescador Roberto e sua família, e casaram-se dias depois.

O príncipe desencantou-se de uma vez e nunca mais se transformou em peixe.

 

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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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