terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O mestre das artes (Conto popular português), de Teófilo Braga

 

O MESTRE DAS ARTES
 

Havia um pai, que tinha três filhos, e enquanto dois deles andavam a trabalhar nos campos, o mais moço começou a aprender todas as artes e indústrias. Disseram os irmãos ao pai:

— Nós trabalhamos até aqui para meu pai poder viver, e o nosso irmão mais novo sem fazer nada; agora daqui em diante ele deve puxar pelo que aprendeu.

O filho mais novo pediu ao pai que lhe desse um açaimo de cão de caça, e disse-lhe:

— Vou-me tornar em cão de caça; meu pai há de trazer uma correia e um pau para virem cheios de coelhos, e há de passar pela porta do mercador, que se dá por grande chibante de caça.

O pai pôs o açaimo ao rapaz que se tinha tornado em cão, e foi com ele para a caça. Apanhou muitos coelhos, trazia-os dependurados no pau e o cão atrás dele. O mercador quando o viu passar pela porta perguntou:

— Oh homem! só com esse cão apanhaste tanta caça?

— Sim senhor.

— Hás de me vender o cão.

— Só se o senhor me der cem mil réis.

— Pois sim; está vendido o cão.

Contou o dinheiro; lá ficou o cão e o homem foi-se embora. Vai o mercador caçar com o seu cão por uns cerrados; correndo atrás de um coelho, o cão meteu-se por um valado de silvas, e foi sair por outra banda; tirou com as unhas o açaimo, e ficou outra vez gente. O mercador fartou-se de chamar e de esperar pelo cão. O rapaz veio passar pelo pé dele, que lhe perguntou:

— Viu você por aí um cão de caça?

— Não vi, mas senti mexer no valado que é muito fundo; talvez seja o bicho, que não pode de lá sair.

O certo foi que o mercador perdeu o cão e o dinheiro, e foi-se embora sem nada. O rapaz disse ao pai:

— Agora há de me comprar um freio para eu me tornar em cavalo.

O pai assim fez; correu com o cavalo todas as ruas. O Mestre das Artes de Paris, que o tinha tido em casa logo conheceu o cavalo e fez com que o homem lho vendesse por todo o preço. Não olhou a dinheiro, e tomou conta do cavalo, e meteu-o na cavalheiriça sem lhe tirar o freio, a ponto de ele não poder comer nada.

O Mestre das Artes tinha três filhas e recomendou-lhes que não fossem à cavalheiriça. Logo que o pai saiu elas disseram umas para as outras:

— Vamos ver o que tem a cavalheiriça.

Foram e viram um cavalo lindo, muito bem feito, e viram que ele não podia comer nada.

— Coitadinho! tira-se-lhe o freio a ver se come.

Tiraram-lhe o freio, e assim que ele disse: — Ai de mim, pássaro! — voa logo pela janela fora. Encontrou o Mestre das Artes no caminho, que o conheceu e disse: — Ai de mim milhafre! — que era para matar o pássaro.

Ficou ele muito alcançado de ver o milhafre atrás de si, e disse:

— Ai de mim anel! — E caiu nas ondas do mar, e uma garoupa engoliu-o. A garoupa foi ter a outro país; um pescador pescou-a e foi vendê-la a palácio. A princesa foi ver concertar o peixe; viu no buxo um anel. A criada lavou o anel e deu-o à princesa; ela estimava o anel mais que todas as outras joias que tinha. A princesa ao deitar-se tirava o anel e punha-o sobre uma banca. O anel de noite, tornava-se em homem, e punha-se a conversar com a princesa, que cheia de medo chamava o rei seu pai. Neste ponto o homem tornava-se formiga, e o rei vinha e não via nada. Sucedeu isto três noites; na última ele disse à princesa:

— Eu sou a prenda que trazeis no dedo; tenho de dizer a sua alteza, que o rei seu pai está muito doente; os médicos não lhe dão cura. Só o Mestre das Artes de Paris é que lhe dará cura; mas ele não há de querer dinheiro, nem prenda, nem joia nenhuma. Só há de pedir ao rei o anel que traz a princesa; não lho dê vossa alteza na mão, mas deixe-o cair ao chão.

Ela fez como o rapaz lhe tinha pedido. Soube-se da doença do rei, até que foi chamado o Mestre das Artes, que teimava em querer o anel. A princesa zangada da teima, atirou com o anel ao chão. O anel disse: — Ai de mim, painço!

E derramou-se em painço pelo chão. O Mestre das Artes tornou-se em galinha para apanhá-lo, e o rapaz tornou-se em comadrinha (doninha), pegou às dentadas na galinha e matou-a.

Mal acabou, tornou-se em homem e explicou tudo ao rei, e como ele é que tinha ensinado a cura do rei casou-o com a princesa e foram muito felizes.

 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal
(Ilha de São Miguel—Açores)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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