terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O Mágico (Conto popular português), de Teófilo Braga

 

O MÁGICO

Havia numa terra um homem entendido em artes mágicas, que nunca queria tomar criado que soubesse ler para lhe não apanhar o segredo dos seus livros. Foi um moço oferecer-se dizendo que não sabia ler, e assim ficou-o servindo, e leu todos os livros da livraria do mágico, e quando já podia competir com ele, fugiu com todos os livros.

Um dia o discípulo achou-se mestre e quis viver das suas artes; disse a um criado que fosse à feira vender um lindo cavalo que devia de estar na estrebaria, disse-lhe o preço, e ordenou-lhe que assim que o vendesse lhe tirasse logo o freio. À hora da feira o criado foi à estrebaria e lá achou um lindo cavalo e partiu com ele para o mercado.

Estava na feira o Mágico que tinha sido roubado, e conheceu logo debaixo da forma do cavalo o seu antigo discípulo; foi ajustar o preço, pagou a quantia tão depressa, que o criado se esqueceu de tirar o freio ao cavalo. Quando o quis fazer já não foi possível, por que o Mágico disse que o contrato estava fechado desde que lhe entregara o dinheiro. O mágico levou o cavalo para casa, muito contente por se poder vingar à vontade do seu inimigo que lhe tinha roubado toda a sua sabedoria. De uma vez disse ao criado que fosse à ribeira levar o cavalo a beber, mas que não lhe tirasse o freio. O cavalo andava muito triste, cheirava a água mas não bebia; o criado lembrou-se de lhe tirar o freio, pensando que ele assim beberia. De repente o cavalo transforma-se numa rã, e some-se pela água. O Mágico que estava à janela de sua casa viu aquilo, e transformou-se em um sapo, para ir apanhar a rã. O discípulo, que sabia a sorte que o esperava se tornasse a cair em poder do mestre, transformou-se em uma pomba, e voou, voou por esses ares; o mágico transformou-se em um milhafre, e correu atrás da pomba para tragá-la.

Já ia muito cansada a pomba, e quase que estava para ser agarrada, quando viu uma princesa que estava em um terraço, e foi-lhe cair no colo, transformando-se em um anel de grande preço. A princesa pasmada com o que viu, e com a lindeza da joia, meteu-a no dedo; o Mágico, viu que nada podia fazer, e como ainda estava na forma de milhafre entra pelo quarto do rei dentro e bota-lhe um cabelo no copo de leite que ele estava para beber.

O rei, já se sabe, teve uma grande doença, foram chamados todos os médicos, mas nenhum era capaz de o curar; o Mágico apareceu sob a figura de médico e prometeu dar saúde ao rei, mas só se lhe desse o anel que a princesa trazia no dedo. O rei disse que sim; então o anel transformou-se em um lindo rapaz e pediu à princesa que quando o rei lhe mandasse entregar o anel ao Mágico, que lho não desse na mão, mas que o atirasse ao chão, para ele o levantar. O rei passados dias ficou bom, e assim que o Médico veio à corte, pediu o anel; o rei chamou a filha e disse que lhe entregasse o anel. A princesa mostrou-se triste mas obedeceu; tirou o anel e deitou-o ao chão, como se estivesse zangada. O anel transformou-se em uma romã que toda se esbagoou pela sala; mas o mágico mudou-se em galinha, e num instante foi engolindo todos os grãos. Ficou um único grãozinho de traz de uma porta, e esse transformou-se numa raposa, que se atirou à galinha e a comeu num instante. A princesa ficou muito pasmada com aquilo, e pediu à raposa que se tornasse em príncipe que casaria com ele. E ele assim fez e foram muito felizes.

 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal
(Algarve)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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