sábado, 25 de dezembro de 2021

Mais vale quem Deus ajuda, que quem muito madruga (Conto Popular), de Adolfo Coelho

 

MAIS VALE QUEM DEUS AJUDA, QUE QUEM MUITO MADRUGA

Era uma vez dois almocreves e iam a dizer um para o outro: “Qual vale mais, quem Deus ajuda ou quem muito madruga?” Um dizia que era quem Deus ajudava, outro que era quem muito madrugava. Foram mais abaixo e encontraram o diabo a cavalo e perguntaram-lhe:
 
— Ó senhor! Qual vale mais: quem Deus ajuda ou quem cedo madruga? O diabo respondeu:

— Quem cedo madruga.

O almocreve que dizia que mais valia quem cedo madruga disse para o outro que lhe desse o burro com as fazendas que tinha apartado, mas este disse-lhe:

— Deixa-me ir mais abaixo.

Foram mais abaixo e encontraram um homem que lhes disse também que mais valia quem cedo madrugava; enfim ninguém lhe disse que mais vale quem Deus ajuda.

O almocreve tomou posse do que era do companheiro e este disse:

— Ai, senhor! Eu agora onde me hei de ir recolher que estou aqui desamparado? E nisto foi para debaixo de uns pinheiros e disse:

— Agora ainda não fico aqui; está acolá uma luzinha tão longe a reluzir; vou-me acolá ficar debaixo daquela casa.

Foi, mas o que encontrou foi uma mina; meteu-se nela e vieram depois os diabos para cima da mina e disseram uns para os outros:

— Está ali um poço novo e andam há um ror de tempo para tirar a água a fazer barulho com picão e se pegassem e dessem no fundo uma pancada muito pequena, a água saía logo toda como uma levada; e o dono dá quatro cruzados em prata a quem lhe fizer sair a água. Ai, está a filha do rei tão mal; está um ror de médicos à roda dela e não a curam; se se pegasse numa bacia de leite e se voltasse a princesa de pernas para o ar com a boca na bacia saía logo a cobra que ela tem, que lhe faz mal.

O almocreve, que estava a observar, foi de manhã ter com o dono do poço; desceu ao fundo; deu a pancada e logo saiu a água. Recebeu os quatro cruzados e foi-se para a terra do rei. Chegou à porta do palácio e disse aos criados que queria falar ao rei.

— Então você que quer?

— Digam lá ao rei que eu venho cá dar saúde à princesa.

Respondeu um criado:

— Estão lá um ror de médicos e não lhe dão saúde e você é que lhe há de dar saúde!...

Mas, enfim, resolveram-se a ir dizer ao rei que estava ali aquele homem. O rei chamou-o e ele foi lá acima e começou a apalpar a princesa como médico e mandou vir uma bacia de leite, e mandou pôr a princesa de pernas para o ar com a boca na bacia de leite, e saiu-lhe de dentro uma cobra e a princesa ficou boa.

O rei tinha prometido dar a princesa a quem a curasse; perguntou ao almocreve se queria casar com ela ou se queria metade do rendimento do rei e um cavalo para andar a cavalo; ele respondeu que queria dinheiro para ficar rico toda a sua vida. O rei assim fez.

O almocreve depois encontrou o outro que lhe tinha ficado com o burro e lhe disse:

— Ó homem, tu estás tão rico e eu estou tão pobre; tu de cada vez te aumentas mais.

— Olha, faz como eu fiz; vai para aqueles pinheirais; está lá uma mina; mete-te debaixo; hão de vir lá os diabos e escuta o que eles disserem.

O homem assim fez. Os diabos vieram e disseram uns para os outros:

— Ai, que cheira aqui a fôlego vivo.

E nisto vieram abaixo e bateram muita bordoada no almocreve, que morreu.

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Ano de publicação: 1879.
Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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