sábado, 25 de dezembro de 2021

A Afilhada de Santo Antônio (Conto), de Adolfo Coelho

 


A AFILHADA DE SANTO ANTÔNIO

Havia um pai que tinha muitos filhos a ponto de ser compadre de quase toda a gente da sua terra, pois iam ser padrinhos dos filhos dele. Nasceu-lhe mais uma filha e ele foi por um caminho fora na intenção de falar ao primeiro homem que encontrasse para padrinho da menina. Sucedeu que encontrou um frade, que logo lhe disse que estava pronto a servi-lo. Batizou-se a menina e o padrinho pôs-lhe o nome de Antônia e disse ao compadre:

— Educa a tua filha o melhor que puderes, pois quando ela tiver treze anos virei buscá-la para a colocar bem.

Passaram-se os treze anos e o pai, vendo que o padrinho não vinha buscar a filha, resolveu mandá-la servir para uma casa e ia já a caminho da cidade com ela quando lhe apareceu o padrinho e lhe disse:

— A tua filha vai servir para casa do rei, mas é preciso que ela de hoje em diante se chame Antônio em vez de Antônia e troque os seus vestidos por um fato de homem, pois de outra forma corre risco a sua formosura na casa do rei.

Assim se fez e Antônia foi para o serviço da rainha na qualidade de pajem. Então o padrinho disse-lhe:

— Porta-te bem sempre e quando te vires nalguma aflição diz: “Valha-me aqui o meu padrinho.” Crescia Antônia em esperteza e formosura e todos no palácio julgaram que ela era rapaz. A rainha começou a agradar-se muito do seu pajem e, vendo que ele não lhe correspondia, tratou de meter muitas intrigas ao rei para ver se conseguia que este despedisse o pajem do seu serviço. Um dia foi ela dizer ao rei que Antônio tinha dito que era capaz de numa noite separar todo o joio da grande porção de trigo que estava nos campos pertencentes ao rei. Este chama Antônio e ele respondeu que tal não dissera, mas que ia ver se era capaz dessa empresa. Foi então para o campo e disse:

— Valha-me aqui o meu padrinho. Apareceu-lhe o padrinho e disse-lhe:

— Vai-te deitar sossegada que pela manhã tudo estará pronto. E assim foi.

Ficou o rei muito satisfeito e a rainha sentindo cada vez mais paixão pelo pajem a ponto de lhe dizer que, se ele não lhe correspondesse, iria fazer com que o rei o mandasse embora do palácio.

Antônia só respondeu:

— Faça Vossa Majestade o que quiser, eu não posso amá-la sem ser desleal ao meu rei.

Foi então a rainha ter com o rei e disse-lhe:

— Eu deitei ao mar o meu anel de brilhantes e Antônio disse que era capaz de o ir apanhar. Foi Antônia à presença do rei e respondeu que tal não dissera, mas que iria ver se apanhava o anel. Então chamou pelo padrinho e logo ele lhe apareceu e lhe disse:

— Vai pescar e o primeiro peixe que apanhares abre-o e dentro estará o anel. Antônia assim fez e levou o anel à rainha.

A rainha, desesperada, foi ter com o rei e disse-lhe:

— Antônio disse que era capaz de ir à moirama buscar a nossa filha que está cativa dos moiros. Antônia disse ao rei que era capaz de lá ir. Partiu e no caminho disse:

— Valha-me aqui o meu padrinho.

— Vai, os guardas do castelo onde está a princesa hão de estar a dormir quando tu chegares; tu entras, tiras a princesa e nada mal te acontecerá. Aqui tens esta verdasquinha; hás de bater com ela três vezes na princesa, a primeira à saída da moirama, a segunda no meio do caminho e a terceira à entrada do palácio.

Antônia fez tudo como o padrinho lhe ensinara e levou a princesa para o palácio. Ora a princesa era surda-muda e a rainha disse ao rei que Antônio dissera que era capaz de dar fala à princesa. Então o rei disse:

— Antônio, se me deres fala à princesa, casarás com ela.

— Valha-me o meu padrinho. Apareceu-lhe o padrinho e disse-lhe:

— Pergunta à princesa porque é que tu lhe bateste com a verdasca que eu te dei e ela te responderá.

Foi Antônio diante do rei e da rainha e perguntou à princesa:

— Por que te dei com a verdasca
À saída da moirama?
— Foi porque a minha mãe
Três vezes te levou à cama.
— Por que te dei com a verdasca
Quando vinhas no caminho?
— Foi porque Santo Antônio
É que era teu padrinho.
— Por que te dei com a verdasca
À entrada do palácio?
— Querias que soubesse
Que és fêmea e não macho.  

O rei ficou encantado com tais maravilhas e, sabendo quanto a rainha lhe era desleal, não a quis mais por mulher e casou com Antônia, que desde esse dia começou a usar os vestidos de rainha e foi sempre muito boa, pois Santo Antônio nunca deixou de a proteger.

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Ano de publicação: 1879.
Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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