domingo, 5 de dezembro de 2021

João Ratão, ou Grilo (Conto popular português), de Teófilo Braga

 

JOÃO RATÃO (OU GRILO)
 

Havia um homem que era carvoeiro, e não gostando daquela vida, meteu-se a ser adivinhão. Foi ter à corte do rei, e disse que tinha ofício de adivinhar. Ora na corte tinha-se feito por aqueles dias um grande roubo, e o rei queria descobrir os criminosos; mandou vir João Ratão à sua presença, e perguntou-lhe quanto queria para adivinhar quem eram os ladrões. Respondeu o João Ratão que queria que o rei lhe desse três jantares primeiramente. O rei mandou pôr uma mesa com bastantes iguarias, e os criados do palácio começaram a servir o adivinhão. Assim que João Ratão acabou de comer o primeiro jantar, pôs-se a tocar rufo com o garfo e a faca no prato, dizendo muito contente:

— O primeiro já cá está! O primeiro já cá está!

Um dos criados que o servira, ouvindo o que João Ratão dizia, entendeu que era consigo, e que ele tinha adivinhado que estava ali um dos ladrões. Ao outro dia João Ratão comeu um segundo jantar, e tornou a bater com o garfo e faca, cantando:

— O segundo já cá está! O segundo já cá está!

O criado tinha pedido a um companheiro que fosse servir o adivinhão em lugar dele, e este outro percebendo que estava tudo descoberto botou-se de joelhos aos pés de João Ratão confessando tudo, e dizendo-lhe quem eram os outros companheiros, mas que só ele é que podia fazer com que o rei lhes perdoasse. João Ratão descobriu ao rei quem eram os ladrões, e ficou muito acreditado na corte. O rei não o quis mais deixar ir embora, e disse que lhe ia propor uma adivinha; se ele a soubesse explicar, daria-lhe a mão da princesa, e se não acertasse o mandaria matar.

João Ratão ficou triste como quem via já o fim da sua vida; comeu à mesa com o rei. No fim do jantar trouxeram-lhe um copo cheio de mijo de porca, e ele bebeu. Perguntou-lhe então o rei:

— Adivinha o que é que agora bebeste!

João Ratão ficou todo atrapalhado, porque sabia que desta não escapava, e disse:

— Aqui é que a porca torce o rabo.

O rei ficou muito admirado dele ter adivinhado, e cumpriu a palavra dando-lhe a princesa em casamento. Foi o que ganhou o João Ratão, deixando-se de carvoeiro para ser adivinhão.

 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal
(Coimbra)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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