Um rapaz muito folgazão quis dar uma grande
festa no dia dos seus anos; foi por casa de todos os amigos convidá-los para
virem jantar e cear com ele. Quando vinha para casa, encontrou ainda um amigo
em frente do cemitério e depois de convidá-lo ficou a conversar muito
satisfeito. Estando nisto deu com os olhos em uma mirra, ou esqueleto ainda
revestido de carne que estava junto de uma parede, e disse-lhe mofando:
— Se quiseres vir também ao banquete dos meus
anos…
— Lá irei, respondeu-lhe a mirra.
O rapaz ficou espantado, e perguntou ao amigo
se tinha ouvido alguma voz. Como este lhe dissesse que nada tinha ouvido, ele
também não se atreveu a revelar-lhe o caso. Dali se foi cheio de susto, e ao
passar por casa do prior, fez confissão do que lhe acontecera:
— O que foste fazer homem! Não sabes que não
se brinca com os mortos?
— E agora?
— Agora não tens remédio senão sujeitares-te
ao que acontecer. Manda por na mesa mais um talher, ainda que não seja senão
como satisfação.
A noite correu no meio de danças, até que os
convidados foram para a mesa; ao soar a primeira badalada da meia noite,
bateu-se à porta; o rapaz tremendo foi ver quem era e recuou, abrindo. A mirra
entrou vagarosamente, e dirigiu-se para a mesa, e sentou-se no lugar que estava
desocupado. Comeu, comeu, comeu, e depois levantou-se e disse para o mancebo:
— Pois bem, já que fizeste o favor de me
convidares para o banquete dos teus anos, também te peço que amanhã a esta
mesma hora vás cear comigo.
Ditas estas palavras partiu.
O rapaz ficou ainda mais aterrado do que de
antes; não pôde dormir, até que ao outro dia foi ter com o confessor para lhe
contar o sucedido.
— Não tens outro remédio senão ires; sai-te
mais mal se faltares. O que te posso fazer é emprestar-te a capa com que digo
missa para te defenderes.
Lá por alta noite o rapaz foi para o adro da
igreja, a tremer como varas verdes; e ao dar da meia noite em ponto, o rapaz
bateu à porta, e a mirra apareceu, e levou-o consigo para dentro.
— Vês estas duas covas aqui?
— Vejo.
— Pois uma é a minha e a outra seria para ti;
mas o que te vale é vires vestido como Cristo. Mas sempre te digo que nunca
mais brinques com os mortos.
O rapaz, sem saber como, achou-se fora da
igreja, como se acordasse de um pesadelo, teve uma grande doença, e em toda a
sua vida nunca mais brincou com os mortos.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Algarve)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2021)
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