sábado, 4 de dezembro de 2021

A adivinha do rei (Conto popular), de Teófilo Braga


A ADIVINHA DO REI
 

Tinha um rei um ministro em quem depositava toda a confiança; mas uma vez tal teiró lhe ganhou, que resolveu dar cabo dele e disse:

— Não tenho outro remédio senão mandar-te matar; mas como em tempo te estimei muito, ainda te deixo uma esperança, e é que me mandes cá a tua filha, para ver se ela é capaz de adivinhar o meu pensamento, o qual vem a ser: Que não há de vir nem de noite, nem de dia; nem nua, nem vestida; nem a pé, nem a cavalo.

Foi o ministro para casa, muito aflito, como era de esperar, e contou as suas tristezas à filha. Ela como esperta, disse:

— Deixe estar, meu pai, que eu já sei qual é o pensamento do rei, e desta lhe juro que o hei de salvar.

Preparou-se, o no dia seguinte arranjou as suas coisas, de modo que entrou no palácio ao lusco com fusco; ia com uma camisa fina de cambraia em cima do corpo, e levada às cavaleiras de um criado velho que tinha. O rei assim que a viu, conheceu que o lusco com fusco não era nem noite nem dia; que vindo em camisa não vinha vestida, mas também não estava despida; e que às costas do criado não estava a cavalo, mas também não estava a pé. Louvou muito a esperteza da menina, e disse-lhe que fosse dali dar parte ao pai que estava perdoado, e que tornava a entrar na sua confiança, porque quem tinha filhas assim espertas era homem de capacidade.

 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Porto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021) 

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