segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O veado e a onça (Conto popular do Brasil), de Sílvio Romero

 

O VEADO E A ONÇA 


O veado disse:

 — Eu estou passando muitos trabalhos; por isso vou procurar um lugar para fazer a minha casa.

Foi pela banda do rio, achou um lugar bom e disse:

 — Há de ser aqui.

A onça disse também um dia:

 — Estou passando muitos vexames e quero por isso procurar um lugar para fazer a minha casa.

Saiu e foi dar no mesmo lugar que o veado já tinha escolhido, e disse:

 — Que bom lugar! Vou fazer aqui a minha casa.

No dia seguinte veio o veado. Capinou e roçou o lugar. No dia seguinte veio a onça e disse:

 — Tupã está me ajudando!

E fincou no chão as forquilhas e armou a casa.

No outro dia veio o veado e disse:

 — Tupã me está ajudando.

Cobriu a casa, e fez dois abrigos, um para si e outro para Tupã.

No outro dia a onça, achando a casa pronta, mudou-se pra ali, ocupou o abrigo, e pôs-se a dormir.

No outro dia veio o veado e ocupou o outro abrigo.

No outro dia acordaram, e, quando se avistaram, disse a onça ao veado:

— Era você que estava me ajudando? O veado respondeu:

— Era eu mesmo!

A onça disse:

— Pois bem, agora vamos morar juntos.

O veado disse:

— Vamos.

No outro dia a onça disse:

— Eu vou caçar. Você limpe os tocos, tenha água pronta, lenha, que eu hei de chegar com fome!

Foi caçar; matou um veado muito grande, trouxe-o para casa, e disse ao seu companheiro:

— Apronta para nós jantarmos.

O veado aprontou, mas estava triste, não quis comer, e de noite não dormiu com medo que a onça o estrangulasse.

No outro dia o veado foi caçar, encontrou-se com outra onça grande, e depois com um tamanduá.

Disse ao tamanduá:

— A onça está ali falando mal de você!

O tamanduá veio, achou a onça arranhando um pau; chegou-lhe devagarinho por detrás, e deu-lhe um abraço, meteu-lhe a unha, e a onça morreu.

O veado levou-a para casa, e disse à sua companheira:

— Aqui está; apronta para nós jantarmos.

A onça aprontou, mas não jantou e estava triste!

Quando chegou a noite, os dois não dormiam, a onça espiando o veado e o veado espiando a onça.

À meia-noite eles estavam com muito sono; a cabeça do veado esbarrou no jirau e fez tá! A onça, pensando que era o veado que já a ia matar, deu um pulo. O veado também se assustou e ambos fugiram, um correndo para um lado e o outro correndo para o outro.

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Ano de publicação: 1883
Origem: versão indígena de Couto de Magalhães (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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