Havia um homem rico que tinha uma filha muito
formosa; apareceu uma vez um moço também muito bonito que quis casar com ela.
Contrataram o casamento. Mas Nossa Senhora, que era madrinha da noiva, lhe
apareceu e disse:
— Minha
filha, tu vais te casar com o cão. Quando for no dia do casamento, depois da
festa acabada, teu marido há de querer te levar para casa dele; tu, então,
deves dizer a teu pai que só queres ir no cavalo mais magro e feio de todos, e
quando chegares a um lugar da estrada onde faz cruz, teu marido há de tomar
pela esquerda, tu deves tomar pela direita e mostrar-lhe o teu rosário para ele
estourar e sumir-se para o inferno.
Passou-se. Quando foi no dia do casamento
houve muito pagode e divertimento; mas a moça sempre triste.
Quando chegou a hora da partida veio um
cavalo muito bonito e muito bem arreado para a moça se montar. Ela disse ao pai
que não queria aquele, e só o mais feio e magro. O pai se espantou muito e não
quis concordar; afinal foi obrigado a fazer os gostos da filha. Partiram os
noivos; quando chegaram longe da casa havia no caminho uma encruzilhada; aí o
cão quis botar a moça adiante pelo lado esquerdo. Então a moça disse:
— Vá o
senhor adiante que sabe do caminho de sua casa e não eu que nunca lá fui.
O cão aí se zangou; mas a moça tomou pela
estrada da direita, mostrando-lhe o rosário. O cão estourou, e foi cair nas
profundas, e a moça seguiu a toda a bride. Lá mais adiante, ela cortou os
cabelos e vestiu-se de homem, toda de verde. Chegando a um reino, foi servir na
guarda do rei com o posto de sargento. A gente toda a chamava de Sargento
Verde. O rei tomou-lhe muita amizade, tanto que quase todas as tardes o
convidava para ir passear com ele no jardim. A rainha ficou, com poucos dias,
apaixonada por Sargento Verde. Uma tarde, depois de jantar, tendo-o o rei
convidado para passear no jardim, ao passar ele pela rainha, ela lhe disse:
— Olha,
Sargento Verde, que lindos olhos, e que lindo corpo para divertir contigo!
O Sargento respondeu:
— Não
sou falso a meu rei.
A rainha despeitada levantou-lhe um aleive ao
rei:
— Saberá
Vossa Real Majestade que Sargento Verde disse que se atrevia a subir e a descer
as escadas de palácio montado no seu cavalo a toda a bride, dançando e atirando
para o ar três limas, e todas três caírem num copo.
O rei ficou muito admirado e mandou chamar
Sargento Verde, e contou-lhe o caso. O Sargento respondeu:
— Saberá
rei meu senhor que eu não disse tal; mas como a rainha minha senhora disse, eu
vou fazer.
Saiu muito triste, e foi ter com o seu cavalo e lhe contou tudo; o cavalo disse que ele não se importasse, que no dia marcado fosse sem medo.
No dia marcado Sargento Verde apresentou-se e
andou pelas escadas a cavalo, correndo para cima e para baixo, dançando e
atirando para o ar três limas e aparando todas três num copo. Houve muito viva,
e a rainha ficou desesperada. Passaram-se dias; indo o rei passear de novo com
Sargento Verde no jardim, ao passar ele pela rainha, ela lhe disse:
— Olha
que lindos olhos e que lindo corpo para divertir contigo!
— Não sou falso a meu rei — foi o que ele
disse.
A rainha, despeitada ainda mais, levantou-lhe
outro aleive, que foi:
— Saberá
Vossa Real Majestade que Sargento Verde disse que era capaz de plantar na hora
do almoço uma bananeira no chão do palácio, e, quando fosse na hora do jantar,
estar ela deitando cachos com bananas maduras.
O rei mandou chamá-lo e perguntou-lhe se ele
se atrevia a tanto, e ele deu igual resposta à primeira e saiu vexado e foi ter
com o seu cavalo, que o animou muito. No dia seguinte, na hora do almoço do
rei, Sargento Verde levou um filho de bananeira, que plantou e na hora do
jantar estava caindo de carregado de bananas madurinhas. Houve muito viva e
muita saúde, e a rainha ficou ainda mais desesperada. Passados dias houve novo
passeio do rei e do sargento no jardim, e novo oferecimento da rainha, e igual
resposta do moço. A rainha armou-lhe novo aleive, que foi:
— Saberá
Vossa Real Majestade que Sargento Verde disse que se animava a andar montado no
seu cavalo no largo do palácio, por cima de duas fileiras de ovos sem quebrar
um só.
(Segue-se outra cena igual às precedentes).
No dia seguinte o Sargento Verde caminhou diante de muita gente, por cima das
fileiras de ovos sem quebra nenhum. Houve muita festa. A rainha ainda mais
apaixonada ficou. Passados dias ela armou-lhe novo falso, que foi:
— Saberá
Vossa Real Majestade que Sargento Verde disse que se atrevia a ir buscar no
fundo do mar a sua irmã a princesa encantada.
Chamado pelo rei, Sargento ficou triste; mas
não negou, e foi falar com o seu cavalo que lhe disse:
— Não
tem nada; muna-se minha senhora de um garrafão de azeite doce, de um punhado de
sal e de uma carta de alfinetes; monte-se em mim, chegue na praia, com a sua
espada corte as ondas em cruz, que as águas se hão de abrir; entre, bote a moça
de garupa, e largue para trás a toda a pressa e bote sentido nas três palavras
que a moça disser no caminho. Tenha cuidado no bicho feroz que guarda a
princesa, porque ele há de persegui-la atrás; largue-lhe o sal e a carta de
alfinetes.
Chegado o dia, Sargento preparou-se e se pôs a caminho montado no seu cavalo, fez tudo como lhe disse o cavalo, servindo-se da espada para abrir, e do azeite para clarear o mar. Tirou a moça e largou-se para trás a toda a bride. Ao sair do mar a moça disse "Já!" — e o Sargento tomou nota. Estando um pouco adiante olhou para trás e avistou o bicho que vinha danado correndo, largou o sal e logo gerou-se no mundo um nevoeiro tamanho que o bicho não pôde romper. Continuou; adiante a moça encantada disse: "Bela!"
e ele tomou nota ainda. Olhando para trás, lá
vinha o bicho outra vez; largou a carta de alfinetes e gerou-se uma mata serrada
de espinhos e a fera não pôde passar. Já perto de palácio a moça disse:
— Tudo!
— ele de novo tomou sentido, e chegaram ao fim da viagem, havendo muita alegria
e muitas festas, e a rainha ainda mais perdida ficou pelo Sargento Verde.
No entanto a princesa encantada não falava;
estava muda. Com pouco a rainha levantou um quinto aleive ao Sargento, e foi
dizer ao rei que ele se atrevia, segundo dissera, a dar fala à muda. O Sargento
foi, como sempre, ter com o seu cavalo, que lhe disse:
— Não
tenha medo; na hora do almoço dê com uma corda na moça, até ela dizer qual foi
a primeira palavra que disse ao sair do mar, e o que ela quer dizer; no jantar
faça o mesmo, e indague pela segunda; na ceia o mesmo e indague pela terceira,
e a princesa ficará falando.
Assim fez ele. No almoço do dia seguinte
meteu a corda na princesa com as palavras:
— Fale,
moça! Qual a palavra que disse ao sair do mar?
A moça calada, e ele a dar-lhe, até que ela disse "Já!"
— O que quer dizer?
A muito custo ela disse:
— Já
quer dizer ‘já estou livre de tantos trabalhos.’
No jantar houve o mesmo, e a princesa disse:
— Bela!
quer dizer ‘são duas donzelas, ela e o Sargento Verde que se chama Lucinda.’
Na ceia o mesmo, e ela disse a última
palavra, que quer dizer:
— Tudo!;
se Lucinda fosse homem, há muito el-rei, meu irmão, seria cornudo.
Houve muito espanto de tudo aquilo; o
Sargento Verde voltou aos trajos de moça; a princesa ainda ficou no palácio e
falando, e o cavalo do Sargento desencantou-se num lindo moço. Este se casou com
a princesa desencantada; o rei se casou com Lucinda, porque a rainha morreu
amarrada em dois burros bravos, por ordem de seu marido.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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