O MATUTO JOÃO
Havia um homem de nome Manoel, casou-se com uma mulher chamada Maria e tiveram um filho que se chamou João. Os pais, por serem muito pobres, não lhe ensinaram a ler; porém João era muito ativo. Um dia saiu de casa com uma cachorrinha que sua avó lhe tinha dado e foi passear. No caminho soube que no Reino das Três Princesas havia grande festa e um casamento, dentro de quinze dias, com uma das filhas do rei, se alguém decifrasse uma adivinhação. Já muitos homens tinham morrido na forca por não poderem decifrar a adivinhação.
João, chamado o amarelo, voltou para casa e
disse ao pai que ia pelo mundo afora ganhar a sua vida. O pai consentiu e a mãe
lhe preparou um pão muito grande e envenenado e arrumou-o na trouxa. João
partiu com a sua cachorrinha. Não sabendo bem os caminhos, perdeu-se nas
montanhas, e, depois de andar muito errado, deu numa campina já de noite. Aí
dormiu. No dia seguinte passou ele um rio, que tinha tido uma grande enchente e
onde viu um cavalo morto, e os urubus já lhe estavam dando cabo. Como havia
correnteza, as águas puxavam o cavalo de rio abaixo. João fez reparo naquilo e
seguiu seu caminho.
O sol já pendia quando ele sentou-se debaixo
de um pé de árvore para comer o seu pão, e nisto deu-lhe o coração aviso que
não comesse sem experimentar em sua cachorrinha. Logo que ele deu do pão à
cachorrinha, ela expirou. Muito sentido com isto, ele pegou-a nos ombros, e os
urubus começaram a atrapalhá-lo. Para ver-se livre, ele enterrou a cachorra,
mas os urubus a desenterraram, a comeram e morreram. João pegou nos urubus e pôs
nas costas e seguiu. Chegou a uma estalagem, e, não vendo ninguém, entrou pela
porta adentro. Lá no fundo avistou sete homens todos armados de espingardas.
Estavam sem comer há três dias e logo que viram o João avançaram para ele e lhe
tomaram os urubus. João largou-se à toda pressa e deixou-se atrás; mas vendo
que o não seguiam voltou e achou-os todos mortos. Escolheu das sete espingardas
a melhor e largou-se. Chegando adiante, encontrou uma grande campina; já morto
de fome e sede, sentou-se debaixo de um arvoredo. Nisto voa do capim grosso uma
inhambu-apé. O tiro errou e foi dar numa rolinha que estava entre as folhas.
João apanhou a rola e a depenou; mas não achou com que fizesse fogo para
assá-la. Tinha ali uma santa-cruz e tirou dela uma lasca e fez fogo, assou a
rola e comeu; mas tinha muita sede e, não achando água, pegou um cavalo, que
andava ali pastando, montou nele e pôs-se a correr até o cavalo ficar bem suado
— a
ponto de correr o suor e ele aparar e beber. Seguiu sua viagem e passou num campo
e viu uma cova onde havia uma caveira; falou-lhe e notou que a caveira também
lhe falava. Mais adiante encontrou um burro amarrado debaixo duma árvore a
cavar com os pés e conheceu que o burro cavava uma botija de dinheiro. Seguiu e
foi ter ao palácio do rei e levar a sua adivinhação à princesa, certo de que
ela não acertaria. Apresentou-se o João e disse que era pretendente à mão da
princesa; pois ela era incapaz de decifrar a sua adivinhação. Riram-se muito
dele.
— Ora!
— disseram — quando outros homens sábios não saíram-se bem, tu que és um pobre
matuto e amarelo é que hás de casar com a filha do rei!
O matuto insistiu e foi falar ao rei. O rei
lhe disse:
— Sabes
tu a quanto te arriscas?
João respondeu que a tudo estava disposto. Chamada a princesa e muito confiada em si e debicando o rapaz, manda-lhe que proponha a sua adivinhação. O matuto assim falou:
A princesa mandou repetir, e não foi capaz de
decifrar. E casou com o João.
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