domingo, 14 de novembro de 2021

O caboclo namorado (Conto popular), de Sílvio Romero

 

O CABOCLO NAMORADO

Havia uma moça casada muito bonita. Por sua porta passava sempre um caboclo e numa ocasião virou-se para ela e disse-lhe: “Adeus, meu cravo.” A moça fez que não ouviu e calou-se. No outro dia o caboclo passou e tomou a dizer a mesma coisa. A moça, não podendo mais chegar à janela, porque todas as vezes que o caboclo passava, dizia-lhe: “Adeus, meu cravo”, queixou-se ao marido. Este disse-lhe: “Não te importes, e quando ele te disser “adeus, meu cravo”, tu responde-lhe “adeus, minha rosa”, e deixa o resto por minha conta.” No dia seguinte o caboclo passou e repetiu: “Adeus, meu cravo.” 

Ela virou-se para ele e respondeu: “Adeus, minha rosa.” O caboclo saiu rindo-se de contente e no outro dia já não disse “Adeus, meu cravo”, e sim perguntou à moça se ela dava licença a ele ir à casa dela à noite. A senhora ficou incomodadíssima e não deu-lhe resposta. Chegando o marido, ela participou-lhe o ocorrido, ao que ele respondeu: “Amanhã dize-lhe que eu fiz uma viagem e que tu dás licença para ele vir conversar contigo à noite.” Quando o caboclo passou dirigiu à moça a mesma pergunta, esta respondeu-lhe tudo quanto o marido tinha lhe dito. À noite chegou o caboclo, indo muito cheiroso e bem vestido. Já o marido da moça tinha munido dois criados, cada qual com um chicote de couro cru, e mandado deitar debaixo da cama grande porção de cansanção.

 O caboclo logo que foi chegando disse à moça que queria ir para o quarto e que ela apagasse a luz que o estava incomodando. Depois tirou toda a roupa com que estava vestido e deitou-se dizendo que estava com muito sono. Nisto o marido da moça fingiu ter chegado da viagem e esta disse ao caboclo que se escondesse debaixo da cama. O moço entrou e deitou-se, alegando que vinha muito cansado. De espaço a espaço ele ouvia como que uma espécie de grunhido sair debaixo da cama. Passado um bom pedaço e o rapaz ouvindo sempre a mesma coisa, perguntou: “Quem está aí?” Responde-lhe o caboclo: “Sou eu, cachorro.” Diz o moço: “Oh, e cachorro fala?” Replica-lhe o caboclo: “Falo eu.” Aí o moço levantou-se e com uma luz na mão olhou para debaixo da cama e viu o caboclo no meio dos cansanções, inchado como uma pipa e todo se coçando. O moço chamou os criados que já estavam preparados e ordenou: “Empurrem-lhe o chicote”. 

O caboclo depois de ter levado uma tunda, saiu que mal acertava o caminho de casa. Levou muito tempo se tratando da grande surra que levou. 

Depois de muito tempo e quando já estava bom, passou de novo o caboclo pela porta da moça, mas muito desconfiado e de cabeça baixa. Esta para bulir com ele disse-lhe: “Adeus, meu cravo.” Ele virou-se para ela e respondeu muito zangado: “Adeus, seu diabo!”

---
Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

Nenhum comentário:

Postar um comentário