segunda-feira, 15 de novembro de 2021

A raposa e a onça (Versão indígena), de Sílvio Romero

 

A RAPOSA E A ONÇA 

O sol secou todos os rios, e ficou só um poço com água. A onça então disse:

— Agora sim; pilho a raposa, porque vou fazer-lhe espera no poço da água.

A Raposa, quando veio, olhou adiante e enxergou a onça; não pôde beber água, e foi-se embora, pensando como poderia beber.

Vinha uma mulher pelo caminho com um pote de mel a cabeça.

A Raposa deitou-se no caminho e fingiu-se morta; a mulher arredou-a e passou.

A Raposa correu pelo cerrado, saiu-lhe adiante ao caminho, e fingiu-se morta. A mulher arredou-a e passou adiante.

A Raposa correu pelo cerrado, e mais adiante fingiu-se morta. A mulher chegou e disse:

— Se eu tivesse apanhado as outras já eram três.

Arriou o pote de mel no chão, pôs a raposa dentro do paneiro, deixou-o aí, e voltou para trazer as outras raposas.

Então a raposa lambuzou-se no mel, deitou-se por cima das folhas verdes, chegou ao poço, e assim bebeu água.

Quando a raposa entrou na água e bebeu, as folhas se soltaram; a onça conheceu-a, mas quando quis saltar-lhe a raposa fugiu.

A raposa estava outra vez com muita sede, bateu num pé de aroeira, lambuzou-se bem na sua resina, espojou-se entre folhas secas, e foi para o poço.

A onça perguntou:

— Quem és?

— Sou o bicho folha-seca.

A onça disse:

— Entra na água, sai, e depois bebe.

A raposa entrou, não lhe caíram as folhas, porque a resina não se derreteu dentro d’água; saiu e depois bebeu, e assim fez sempre até chegar o tempo da chuva.


---
Ano de publicação: 1883
Origem: Versão indígena de Couto de Magalhães (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

Nenhum comentário:

Postar um comentário