Uma vez havia uma mulher viúva que tinha uma
filha muito bonita, e a mulher também era muito bela e tinha inveja da filha.
Um dia, passando em casa dela uns viandantes,
a mulher lhes disse:
— Os
senhores já viram uma cara mais formosa do que a minha?
Eles responderam:
— É
muito bela; mas a sua filha ainda é mais.
A mulher ficou desesperada e foi tomando ódio
à filha. Doutra vez passaram por lá outros caminheiros e ela lhes fez a mesma
pergunta, e teve a mesma resposta. Ficou ainda mais desesperada e mandou
trancar a mocinha num quarto para não ser vista por ninguém. A menina sofria
tudo com muita paciência e nada dizia.
No quarto em que ela estava tinha uma
janelinha que dava para o caminho, e uma vez que ela se animou a abri-la vinham
passando uns viageiros e a viram.
Eles chegaram à casa e a mãe da mocinha lhes disse:
— Os
senhores já viram uma cara tão bonita como a minha?
Eles responderam:
— É
bonita; mas a da moça, que está presa no quarto, ainda é mais.
A mulher ficou desesperada e ordenou a um
negro velho da casa que levasse a filha para os matos e lá a matasse. O negro
levou a rapariga; mas chegando nas brenhas teve pena de a matar, e deixou-a
ficar e cortou a ponta da língua de uma cachorrinha e levou à senhora, dizendo
que tinha matado a moça. A mulher acreditou. A mocinha pôs-se a andar por
aquela mata afora e já sendo tarde trepou numa grande árvore, e muito ao longe
avistou uma fumacinha. Desceu e dirigiu-se para aquela direção. Depois de muito
andar, lá chegou.
Era um grande palácio; porém não tinha gente
e estava muito sujo. A moça arrumou tudo, varreu toda a casa, limpou os trastes
e pôs-se lá à espera. Este palácio era do Rei dos Ladrões. Quando foi mais
tarde a moça viu ele chegar com a sua grande tropa, teve muito medo e se
escondeu. Os ladrões ficaram muito gratos e procurando toda a casa a
encontraram. A moça encantou a todos os ladrões pela sua beleza, e já eles
queriam brigar para ver quem a tinha de possuir e sem chegar a um acordo. Então
o Rei dos Ladrões propôs que a moça ficasse em casa morando com eles; mas que
todos a tratassem e venerassem como se fosse uma irmã. Assim fizeram, e a mocinha
ficou ali descansada. Correram os tempos e chegou aos ouvidos da mãe que a
filha estava viva e muito bem, porque estava muito rica. A mãe mandou chamar
uma feiticeira e lhe pediu que procurasse a sua filha e lhe desse fim. A
feiticeira aceitou a proposta e largou-se para a casa dos ladrões.
Lá chegando à hora em que a moça estava
sozinha lhe fez grande festa, dizendo:
— Oh,
minha netinha, há que tempo não te vejo! Tu mamaste nestes meus peitos!
Trago-te aqui um presente de pobre; não achei nada para trazer e trago somente
este parzinho de sapatos.
A moça por delicadeza aceitou os sapatos e
logo que os calçou caiu pra trás como morta. A velha raspou-se às carreiras.
Quando os ladrões chegaram acharam a moça morta e ficaram muito tristes.
Pegaram nela, botaram num bonito carro e mais muito dinheiro e uma recomendação
que quem a encontrasse que a enterrasse no sagrado, porque eles não podiam ir à
cidade enterrá-la.
Um filho do rei, que andava caçando,
encontrou o carro e abriu o caixão, e vendo a moça, ficou tão namorado que em
lugar de a enterrar, a levou para o palácio e a guardou no seu quarto com toda
a riqueza que encontrou.
E a moça sempre a dormir e o príncipe quase
doido de paixão. Não deixava ninguém ir ao seu quarto; mas uma vez, estando ele
fora, a princesa sua irmã teve curiosidade de ir ao quarto ver o que era que lá
havia.
Chegou, abriu o caixão e viu a moça, e achou
tão bonita, e estranhou que ela estivesse com uns sapatos tão feios de couro.
Puxou os sapatos e a moça suspirou e sentou-se pedindo água.
A princesa deu-lhe água, tornou a calçar-lhe
os sapatos, e a moça adormeceu de novo. Quando o príncipe veio, a irmã lhe disse:
— Se
me deres aquele dinheiro que encontraste, eu descubro um segredo que há em teu
quarto.
O príncipe concordou e a princesa desencantou
a moça. Houve uma grande festa e o príncipe casou-se com a linda moça. No fim
dos nove meses ela deu à luz dois meninos, a coisa mais linda que dar-se podia.
Mas veio servir de parteira justamente a feiticeira que tinha-lhe dado os sapatos,
e, em lugar dos dois meninos, apresentou um sapo e uma jia. O príncipe andava
ausente numas guerras e o pai lhe mandou dar parte do acontecido. O príncipe
mandou dizer ao pai que matasse a mulher; mas o rei teve pena e somente lhe
cortou um dos peitos e a expulsou da casa.
A moça saiu pelo mundo afora; tendo muita
sede, chegou a uma fonte e bebeu água; passou água no peito e o peito tornou a
crescer. Aí, ela seguiu viagem e foi ter à casa de um gigante e tomou um rancho
lá com os seus dois filhos, porque os filhos a feiticeira lhe entregou. Muito
tempo depois, andando o príncipe em caçadas, passou por casa do gigante e viu
os dois meninos e tomou por eles muita afeição. Noutros dias continuou as suas
caçadas e sempre passava pela casa do gigante, até que um dia viu a sua mulher.
Muito se arrependeu do que tinha feito e tornou a viver com ela, mandando matar
a feiticeira.
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