quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

O Avarento (Conto da Infância), de Francisca Júlia



O AVARENTO

Compareceu perante o juiz um avarento e queixou-se, com expressões de lastima, de que um homem, há muitos anos, lhe devia uma certa soma da qual só tinha pago os juros.
— Vai chamá-lo, disse o juiz, traze-o à minha presença. Quero saber por que é que ele te não pagou ainda, e não posso condená-lo sem ouvi-lo.
O avarento saiu e, logo depois, trouxe o devedor pelo braço, insultando-o e maltratando-o com crueldade.
— Ei-lo aqui, senhor juiz. É um mau homem, um péssimo vizinho, que não tem nenhuma compreensão do dever, que não respeita as leis e que não me pagou ainda o dinheiro que lhe emprestei generosamente.
— Fala agora tu, devedor, ordenou o juiz. Por que é que não pagaste a este homem o que lhe devias?
— Senhor! balbuciou o homem humildemente, eu devia-lhe cem sequins que ele me emprestou. Paguei-lhe a metade. Depois, como não lhe pudesse pagar o resto, ele cobrou-se por suas próprias mãos, apropriando-se das minhas terras, vendendo os meus frutos, roubando o meu camelo e despojando-me x das minhas roupas. Hoje nada mais tenho senão estes andrajos que cobrem o meu corpo e estas mãos para pedir esmolas.
Então o juiz, compadecido pela miséria daquele pobre homem e revoltado contra a avareza do credor, voltou-se para este e perguntou-lhe;
— Que mais queres deste homem? Já o reduziste à mais negra miséria. Sê um pouco piedoso, desperta na noite de tua alma algum sentimento generoso. Deixa-o ir em paz.
— Não, senhor juiz.
— Mas de que modo queres que ele te pague?
— Quero que ele venha para minha casa, para servir-me como escravo, até pagar os juros que me deve.


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Ano de publicação: 1899
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2022

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