OS
DOIS CÃES
O
cão, todavia, não sabendo a causa daquele adorno, acreditava que o chocalho lhe
havia sido posto ao pescoço em sua honra e em homenagem à sua especial
formosura, razão pela qual menosprezava os outros cães.
Mas
um velho cão, sabendo disto, vendo-o assim tão soberbo e altivo, repreendeu-o
com estas palavras:
—
Ó louco desaventurado! És tão louco e ignorante a ponto de pensar que esse
chocalho lhe foi posto por honra e elogio — razão pela qual contrarias e
menosprezas os demais —, quando, em verdade, o foi por desonra e vitupério. Mas
o teu engano é publicamente conhecido: esse chocalho é testemunha de tua
malícia, com a qual mordes louca e traiçoeiramente os homens. Saibas, então, por
que tens pendurado o chocalho ao pescoço: é para resguardar as pessoas de tua
falsidade, malícia e astúcia. Se tu soubesses disto, de maneira alguma
exaltaria o teu coração.
Ouvindo
tais palavras, tomado por grande estupor, e enrubescido de vergonha e culpa, o
cão vaidoso deixou os demais.
---
Versão em
português de Paulo Soriano, a partir de tradução anônima espanhola de 1489.
Ilustrações de
autor anônimo do século XVI (Edição de Juan Cromberger, Servilha, 1521).
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