terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Os dois cães (Fábula), de Flávio Aviano

 

OS DOIS CÃES 

Um homem tinha um cão que, sem latir nem rosnar, mas com o rabo entre as pernas, muito mordia traiçoeiramente. Conhecendo a natureza perniciosa de seu cão, o dono, para que não alegassem ignorância, senão fossem todos advertidos daquela falsidade, pendurou-lhe um chocalho ao pescoço. Desta forma, a sua malícia se tornaria pública e todos poderiam precaver-se de seus ataques sorrateiros.

O cão, todavia, não sabendo a causa daquele adorno, acreditava que o chocalho lhe havia sido posto ao pescoço em sua honra e em homenagem à sua especial formosura, razão pela qual menosprezava os outros cães.

Mas um velho cão, sabendo disto, vendo-o assim tão soberbo e altivo, repreendeu-o com estas palavras:

— Ó louco desaventurado! És tão louco e ignorante a ponto de pensar que esse chocalho lhe foi posto por honra e elogio — razão pela qual contrarias e menosprezas os demais —, quando, em verdade, o foi por desonra e vitupério. Mas o teu engano é publicamente conhecido: esse chocalho é testemunha de tua malícia, com a qual mordes louca e traiçoeiramente os homens. Saibas, então, por que tens pendurado o chocalho ao pescoço: é para resguardar as pessoas de tua falsidade, malícia e astúcia. Se tu soubesses disto, de maneira alguma exaltaria o teu coração.  

Ouvindo tais palavras, tomado por grande estupor, e enrubescido de vergonha e culpa, o cão vaidoso deixou os demais.

 

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Versão em português de Paulo Soriano, a partir de tradução anônima espanhola de 1489.
Ilustrações de autor anônimo do século XVI (Edição de Juan Cromberger, Servilha, 1521).

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