Contam que um homem casado, com filhos,
quando ia caçar e pescar nada matava e por isso a mulher se zangava com ele. Um
dia foi ao mato caçar e perdeu-se. Alta noite, foi ter com ele o Curupira e o
achou dormindo. Chamou-o:
— Oh! meu sobrinho!
Acordou.
— Oh! meu avô!... o que é?
— Então estás dormindo?
Começaram a conversar.
— Ah! meu sobrinho... por que tens cabelos na
cabeça?
— Por me ter curado.
— Hein! Deveras? Como te curaste?
— Não custa, meu avô. Mandei outrora pelar
minha cabeça; depois lavei-a com pimentas ; depois me vieram os cabelos.
— Hein! Deveras? Então eu quero que me faças
a mesma coisa para ter cabelos na minha cabeça.
— Deveras, meu avô? Então vamos fazer o
mesmo.
— Então pela minha cabeça para tu curares.
Contam que logo o homem pelou a cabeça do
Curupira e depois lavou-a com pimentas. Imediatamente o Curupira enlouqueceu
com o ardor das pimentas e correu logo pelo mato, indo-se embora.
O homem voltou, e, medroso, foi logo para
casa. Veio a mulher ter com ele. Vendo-o, a mulher logo lhe disse:
— O que vieste buscar, desgraçado?
— Venho ver como estão meus filhos.
— Para que tu queres teus filhos? Onde está o
que trouxeste da caça para teus filhos comerem? Eles aqui estão chorando de
fome todo o dia.
— Então volto e vou-me embora para o mato.
Demorou-se um pouco e depois foi-se embora
para o mato.
— Já vou para o mato, e, se não me perder, eu
apareço por cá.
Contam que foi-se logo embora pelo mato. Aí
demorou-se e não sabemos quantos dias esteve nele. Depois disso, encontrou
aquele Curupira cuja cabeça pelara. Chegando perto, disse:
— Oh! meu sobrinho!
— Oh! meu avô.
— Como passas? Seria você quem pelou minha
cabeça?
— Não. Foi outro que já morreu, e lá estão os
ossos que foram dele.
— Deveras, meu sobrinho? Então vem comigo e
mostra-mos.
— Vamos.
Foram logo. Chegaram e lá acharam os ossos. O
Curupira ajuntou-os, pegou
neles e os esmigalhou.
— Agora já me vinguei, disse ele. Meu
sobrinho, vem comigo para minha casa.
Contam que foram logo e chegaram à casa. O
Curupira entrou primeiro, e ele ficou, fora, de pé. O Curupira lhe disse:
— Meu sobrinho, entre; não tenha medo.
O homem olhou para dentro de casa e viu só
mente cobras pondo as línguas de fora. O homem, de medo, não quis assentar-se.
— Sente-se, meu sobrinho.
O Curupira disse às cobras:
— Vocês não mordam meu sobrinho.
Então ele entrou.
— Senta-te.
Ele sentou-se, com medo.
— Agora, meu sobrinho, o que tu queres?
— Não sei. Quero voltar para minha casa;
quero que meu avô me dê com que caçar, para levar para meus filhos, porque é
por isso que minha mulher briga comigo, quando eu nada levo, e é por isso que
ela se zanga.
— Hein! Deveras? Vou dar a você o que tu
quiseres. Vamos já. Foram-se logo. Pegou numa corda e deu ao sobrinho.
— Aqui está uma corda para tu levares, para
com ela matares a tua caça.
Foram-se pelo mato e acharam pássaros.
Consigo levou o Curupira duas flechas. Flechou um pássaro e deu-o ao sobrinho.
Depois acharam porcos.
— Sobrinho, queres agora porcos?
— Quero, meu avô.
— Então vou pegá-los.
Dizem que o Curupira foi logo e pegou um
bando de porcos. Pegou, ajuntou, embolou, deu um nó, trouxe e deu a ele.
— Aqui está, meu sobrinho, para levares para
tua casa para tua mulher. Toma bem cuidado quando desmanchares. Chegando a tua
casa, faze um bom curral. Quando acabares, então, desmancha dentro dele para
matá-los. Olha que são bravos e mordem-te. Chama tua mulher e outros parentes
que estão por perto de ti para matarem os porcos.
O homem foi-se logo embora. Chegou à casa; a
mulher veio ter com ele e encarou-o.
— O que vens buscar?
— Nada, minha mulher. Já está aqui, minha
mulher.
Logo o homem disse:
— Vamos agora fazer um curral. Vem comigo
cortar paus.
— Para que tu queres curral?
— Eu trouxe um bando de porcos que aqui está,
para matarmos no curral, para não fugirem.
— Você está certo disso?
— Certo?... Então? Não te engano. Então estou
brincando contigo?
— Eu quero ver.
— Olha; não te percas; sê valente.
Fizeram logo o curral e quando o acabaram,
ele disse:
— Agora vamos matar e moquear nossa comida.
Foi logo chamar seus parentes. Vieram logo
todos armados de cacetes.
— Agora vamos matar, mas olhem que mordem
vocês.
— Então, onde estão os porcos? Nada... onde
estão?
Levou-os logo para o meio do curral, desmanchou
e puxou pela ponta da corda. Dizem que logo apareceram porcos que metia medo, e
bravos. Uns subiram, outros pularam para fora de medo. O homem então gritou:
— Venham, meus parentes. Não tenham medo.
Matem para vocês. Foram matar e não acabaram porque ficaram muitos.
— Vejam agora vocês. Vejam o que eu contava.
Vocês já acreditam! Foram e levaram a caça.
Contam que depois disso, ela ficou boa e satisfeita com seu marido; ficaram logo bem e já não brigavam.
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Ano de publicação: 1890.
Origem: Brasil (Amazonas)
Pesquisa e adequação
ortográfica: Iba Mendes (2021)
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