Um pobre homem, chamado Luís, vendo que não
podia mais viver na cidade por ser muito cara aí a vida e não ter ele dinheiro
para sustentar a família, foi morar na roça, em companhia de sua mulher Marfa,
e seu filho Renato.
Tendo assim resolvido, escolheu um lugar bem
deserto, onde ele e os seus apenas se sustentavam da caça que o velho matava.
Poucos anos depois Luís veio a falecer.
Renato estava com quinze anos de idade,
quando seu pai morreu.
Compreendendo que a vida naquelas matas seria
muito pesada para ele, pediu a sua mãe para voltarem à cidade, onde podiam
viver do trabalho que poderia obter em alguma oficina, dizia ele.
A velha concordou; e, reunindo o pouco que
possuíam – um cavalo, uma espingarda de caça e um cão – dirigiram-se para a
cidade. Era noite quando aí chegaram. O rapaz correu toda a cidade, e não
encontrou viv'alma. Bateu em todas portas e ninguém lhe respondeu.
Depois de muito andar por diversas ruas,
todas desertas, foi ter a um sobrado, o único que achou aberto.
Bateu palmas, e, não ouvindo resposta, entrou
pelo corredor, subiu as escadas, correu a casa, e ninguém encontrou.
Nessa casa todos os quartos estavam abertos,
menos um, que se conservava fechado.
Renato tomou conta da casa, e aí dormiu com
sua mãe.
No dia seguinte ainda não viu pessoa alguma,
nem percebeu o menor movimento pelas ruas; e não encontrando o que comer, foi
para o mato, como fazia seu pai.
Quando estava caçando, apareceu à velha
Marfa, sua mãe, que ficara no sobrado, o gigante Barraguzão, dizendo-lhe que
devia ser morta, por ter-se apoderado da casa, sem seu consentimento, mas que,
por ser mulher, a perdoava, com a condição de ela viver ali, e nunca mais sair
para lugar algum.
A velha ficou com muito medo, e disse que
tinha um filho em sua companhia.
— Esse não quero para nada. Comê-lo-ei esta
noite, respondeu o gigante.
— Qual, o senhor não pode com meu filho,
retorquiu a velha.
— Por quê? não é ele um homem como os outros?
— É sim; é um homem.
— Pois então, não há perigo. Pois se eu pude
com todo o povo que morava aqui, nesta cidade, não hei de poder com um fedelho?
Tinha graça.
— Mas é que meu filho tem muita força, e é
capaz de matá-lo.
— Pois bem: se não posso com ele, como dizes,
vou te ensinar um meio de acabarmos com ele, propôs o gigante. Quando ele
voltar da caça, deita-te na cama, finge-te doente, e a gritar com uma dor muito
forte nos olhos. Dize-lhe que o único remédio que te curará é a banha da
serpente que existe no mato. Ele, com certeza irá matar a serpente; mas, como
não poderá com ela, será mordido pelo animal, e cairá fulminado.
Ao chegar Renato da caça, ao escurecer, a
velha Marfa fez o que lhe fora ensinado pelo Barraguzão, e o moço tornou
incontinenti para o mato, à procura do animal que havia de curar sua mãe.
No caminho encontrou um velhinho que lhe
perguntou onde ia àquela hora, por uma noite tão escura.
— Vou matar uma serpente, que mora aqui neste
mato, para apanhar a banha, e untá-la nos olhos da minha velha mãe que deixei
em casa, gritando com dores, respondeu o bom filho.
— Não vás, disse o velhinho, porque a
serpente te matará. Tu não podes com ela.
— Irei, aconteça o que acontecer, objetou
Renato. Como é para minha mãe, Deus me há de ajudar.
— Pois vai, que hás de ser feliz, falou o
velho.
E assim sucedeu. Chegando à floresta, Renato
deu combate à terrível jiboia – um bicho colossal, de cerca de vinte metros de
comprimento, e conseguiu matá-la, depois de porfiada luta.
Chegando à casa, fomentou com o remédio os
olhos de sua mãe, que não teve remédio senão dizer que ficara boa.
Voltando Barraguzão, à noite, ficou admirado
de ver um homem tão valente, e disse a Marfa:
— Teu filho é o homem mais corajoso que tenho
visto. Agora amarra-o com esta corda, e vê se ele é capaz de a arrebentar.
Quando o moço voltou da caça, nessa segunda
vez, a velha lhe disse:
— Meu filho, reconheço que és valente, mas
duvido e aposto mesmo, como não és capaz de arrebentar esta corda que aqui
está.
O rapaz aceitou a aposta, e Marfa enleou-lhe
todo o corpo, da cabeça aos pés.
Renato forcejou o corpo e partiu a corda em
diversos lugares.
Marfa ficou pasmada de tanta valentia, e, à
noite, quando o gigante Barraguzão chegou, narrou-lhe tudo.
Este já não sabia o meio de se ver livre do
jovem, quando, depois de muito pensar, disse:
— Bem, teu filho é forte, mas sempre desejo
ver se é homem que arrebente esta corrente. Amanhã enleia-o bem nela, para ver
se me escapa desta vez.
Ao tornar Renato da caça, a mãe lhe disse:
— Meu filho, és mais valente que cem homens
juntos; teu pai não era capaz de fazer o que tens feito por minha causa. Se és
tão homem assim, quero ver se eu te prendendo nesta corrente és forte bastante
para a arrebentar.
— Isto não, minha mãe, não posso arrebentar
uma corrente.
— Pois sim, meu filho: experimenta.
— Pois se minha mãe quer, vamos ver.
Marfa enleou-o na corrente, com a qual lhe
deu uma porção de voltas em redor do corpo. Renato esforcejou-se, mas nada
conseguiu.
Neste instante apareceu o gigante, com um
grande facão, e dirigiu-se para o rapaz, a fim de matá-lo.
— Pode matar, disse Renato. Desejo apenas que
me faça três coisas, que lhe vou pedir.
— Cumprirei vinte, quanto mais três, prometeu
Barraguzão, que começou a amolar a faca.
— Primeiro: Não quero que faça uso dos
objetos que meu pai deixou, isto é, do cavalo, da espingarda e do facão.
Segundo: Quando me matar, não estrague o meu corpo, e parta-o em cinco pedaços.
Terceiro pedido: Ponha-me dentro de dois jacás, no cavalo, com a espingarda e o
facão e vá atirar-me no mato.
O gigante fez o que lhe pediu o moço.
Nesse entretempo, o cavalo, assim que se viu
com os jacás que encerravam o corpo de seu amo, partido em cinco pedaços, disparou
a toda a brida, e foi ter à casa do velhinho que Renato encontrara na floresta,
quando fora matar a serpente.
O velho tinha uma filha. Estava essa moça à
janela, e reconhecendo o cavalo de Renato, pelos sinais que dele lhe fizera seu
pai, foi chamar o velho, que assim falou:
— Minha filha, o que ali estás vendo é
Renato, que vem morto, partido em cinco pedaços; vai buscar o cavalo, pois
quero dar vida ao pobre rapaz.
O velho pediu a banha da serpente, de que
também guardara uma grande porção, ao sabê-la morta pelo corajoso mancebo,
juntou os pedaços do corpo de Renato, que logo ficou bom.
— Sentes alguma coisa, meu filho? ou estás
inteiramente sarado? inquiriu o velho, ao vê-lo restituído à vida.
— Falta-me a vista, respondeu Renato.
O ancião pediu certo unguento misterioso,
cujo segredo só ele tinha, e com ele esfregou os olhos do moço, que recuperou
imediatamente a vista.
O jovem apanhou a espingarda e o facão, e
partiu para a casa do gigante.
Assim que entrou, viu Barraguzão dormindo.
Enterrou o facão no peito do monstro, e matou-o.
Marfa, ao ver o gigante morto por seu filho,
atirou-se-lhe aos pés, pedindo que a perdoasse.
Renato fê-la levantar-se, dizendo que nada
lhe faria, por ser sua mãe.
Voltou à casa do velho; a quem contou tudo
quanto fizera.
O velho então lhe disse:
— Meu filho, a tua melhor ação é ter salvo
tua mãe, que, apesar de ter sido má, sempre é tua mãe. Sou o teu anjo da
guarda, que para aqui vim, somente para te defender.
Dizendo isso, desapareceu, subindo para o
céu. Renato casou-se com a moça que o velhinho criara. Voltou para a cidade, e
encontrou toda ela povoada, porque estava apenas encantada com a presença do
gigante, e só se desencantaria quando ele morresse.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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