sábado, 25 de dezembro de 2021

Comadre Morte (Conto Popular), de Adolfo Coelho

 

COMADRE MORTE

Havia um homem que tinha tantos filhos, tantos que não havia ninguém na freguesia que não fosse compadre dele e vai a mulher teve mais um filho. Que havia o homem de fazer? Foi por esses caminhos fora a ver se encontrava alguém que convidasse para compadre.
Encontrou um pobrezito e perguntou-lhe se queria ser compadre dele.

— Quero; mas tu sabes quem eu sou?

— Eu sei lá; o que eu quero é alguém para padrinho do meu filho.

— Pois, olha, eu cá sou Deus.

— Já me não serves; porque tu dás a riqueza a uns e a pobreza a outros.

Foi mais adiante; e encontrou uma pobre e perguntou-lhe se queria ser comadre dele.

— Quero; mas sabes tu quem eu sou?

— Não sei.

— Pois, olha, eu cá sou a Morte.

— És tu que me serves, porque tratas a todos por igual. Fez-se o batizado e depois disse a Morte ao homem:

— Já que tu me escolheste para comadre, quero-te fazer rico. Tu fazes de médico e vais por essas terras curar doentes; tu entras e se vires que eu estou à cabeceira é sinal que o doente não escapa e escusas de lhe dar remédio; mas se estiver aos pés é porque escapa; mas livra-te de querer curar aqueles a que eu estiver à cabeceira, porque te dou cabo da pele.

Assim foi. O homem ia às casas e se via a comadre à cabeceira dos doentes abanava as orelhas; mas se ela estava aos pés receitava o que lhe parecia. Vejam lá se ele não havia de ganhar fama e patacaria, que era uma coisa por maior! Mas vai uma vez foi a casa dum doente muito rico e a Morte estava à cabeceira; abanou as orelhas; disseram-lhe que lhe davam tantos contos de réis se o livrasse da Morte e ele disse:

— Deixa estar que eu te arranjo, e pega no doente e muda-o com a cabeça para onde estavam os pés e ele escapa.

Quando ia para casa sai-lhe a comadre ao caminho:

— Venho buscar-te por aquela traição que me fizeste.

— Pois, então, deixa-me rezar um padre-nosso antes de morrer.

— Pois reza.

Mas ele rezar; qual rezou! Não rezou nada e a Morte para não faltar à palavra foi-se sem ele.

Um dia o homem encontra a comadre que estava por morta num caminho; e ele lembrou-se do bem que ela lhe tinha feito e disse:

— Minha rica comadrinha, que estás aqui morta; deixa-me rezar-te um padre-nosso por tua alma. Depois de acabar, a Morte levantou-se e disse:

— Pois já que rezaste o padre-nosso, vem comigo.

O homem era esperto; mas a Morte ainda era mais; pois não era?


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Ano de publicação: 1879.
Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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