terça-feira, 28 de dezembro de 2021

A mercadora de leite e seus cálculos (Fábula), de Justiniano José da Rocha

 

A MERCADORA DE LEITE E SEUS CÁLCULOS 

Alegre vinha para a cidade uma camponesa trazendo à cabeça bojuda bilha de leite. “Hei de vendê-lo todo”, dizia, “e com o favor de Deus, sempre hei de achar no lucro o preço de uma linda frangalhona. Há de ser tão bonita, quão boa poedeira, pois hei de escolhê-la por certo sinal que nunca falha. De cada postura dar-me-há dezoito ovos, e, emprestando-me a vizinha alguma galinha choca, de mês em mês terei uma ninhada de dezoito pintinhos. Como são bonitos, como medram! Os machos vou-os vendendo, e ajuntando o dinheiro, as fêmeas crescem; saem à mãe dão-me ovos que é um regalo; crio-as até ter um cento delas. Cem? não: dez dúzias, é muito suficiente; não tenhamos mais, que lhes não dê a peste. Ora, com o dinheiro dos frangões e dos ovos, estou rica! Qualquer tola iria comprar alguma fita para enfeitar-se aos domingos. É bom andar uma moça faceira e bonita; mas eu antes quero fazer render meu dinheiro. Compro pois uma porca; e porque não uma vaquinha? E então ovos, frangões, leite, bezerros, em menos de nada, com juízo e economia, dão-me com que compre um lindo sítio. Eis-me senhora, enfim graças a Deus! escolho criadas jeitosas, servem-me elas para levar à cidade o meu leite, os meus ovos, e frutas, e hortaliça; e então, se aparecer algum rapaz bem feito, bonito, de bom gênio, e amigo de trabalhar, dou-lhe minha mão e a minha riqueza. Que fortuna e que prazer.”

Embebida nessa prosperidade, a camponesa esquece-se do que trazia a cabeça, e põe-se a dançar, a bilha vem ao chão, quebra-se; adeus leite, adeus galinha, pintos, adeus fortuna!

MORAL DA HISTÓRIA: A esperança toda a vida nos embala; basta-lhe qualquer circunstância, por insignificante que seja, para que nela assente seus castelos, castelos que a imaginação doura, e que o menor sopro da realidade desfaz. 

 

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Ano de publicação: 1852.
Origem: Brasil  (imitadas de Esopo e La Fontaine)

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