Barão
do Arrenegado era um importante fazendeiro de Serra-Acima, muito conhecido na
praça do Rio de Janeiro, com a qual entretinha assíduas relações comerciais.
A
história que passamos a contar, e na qual o opulento e aristocrático barão do
Arrenegado figura como principal personagem, se fixa cronologicamente no tempo
de Pedro I e pouco antes da expulsão desse Bragança do Brasil.
É
sabido, de todos que conhecem um pouco a história pátria, que o filho de dom
João VI, depois da dissolução da constituinte, começou a temer seriamente o
partido nacional, do qual eram principais chefes os ilustres Andradas, com os
quais se incompatibilizara.
Por
isso cogitou a formação dum partido brasileiro pra se opor àquele, e no
propósito de adquirir afeiçoados distribuiu profusamente títulos e mercês
honoríficas, fato que, segundo dizia Tiphis
Pernambucano, célebre jornal do mártir frei Caneca, era um ultraje irrogado
pelo trono aos sentimentos democráticos da nação brasileira.
Muita
gente, que nunca sonhara com brasões de armas e títulos de nobreza se viu assim
transformada em barões, marqueses e viscondes, se constituindo por tal meio no
Brasil uma aristocracia achinelada, na frase sarcástica de Timandro, que depois
também a ela entrou, aceitando o ridículo título de visconde de Inhomerim,
lugarejo insignificante que existe pouco adiante de Mauá e que apenas se
salienta pelas sezões e grande quantidade de mosquito.
Ora,
um dos agraciados pela munificência do imperial amante de Domitila foi
Francisco Viana de Lobo, que na derrama das graças abiscoitou o título de barão
do Arrenegado unicamente por ter sido companheiro de deboche de Pedro I quando
simples príncipe de Bragança.
Ainda
por intervenção de Pedro I, o barão do Arrenegado, se casou com uma rica
herdeira, e, opulento e nobre, se tornou fazendeiro.
Viana
de Lobo era um homem alto, robusto, de pés e mãos enormes, olhos azuis e cabelo
ruivo e duros, barba da mesma cor e consistência, sobrancelhas bastas e de fios
muito longos, pele vermelha, afogueada.
Tudo
em sua fisionomia tinha um cunho feroz, selvagem. À primeira vista se
compreendia logo que se estava em presença dum brutamonte. E assim era. As
concordâncias que Lavater encontrou entre o físico e o moral dos indivíduos se
exemplificavam perfeitamente no barão do Arrenegado.
Sua
índole condizia com a aspereza da fisionomia. Viana de Lobo era homem de mau
bofe: Cruel aos escravos, ríspido a sua resignada e digna consorte, brutal a
todas as pessoas que consigo tratavam.
Com
exceção da esposa, que o adorava, sem compreender porquê, e de Pedro I, cuja
índole afinava um tanto com a sua, ninguém gostava do barão do Arrenegado. Mas
o que mais antipatia lhe atraía não eram o modo brusco e incivil e sim o
desrespeito com que tratava as coisas da religião na qual nascera e fora
batizado.
Viana
de Lobo era profundamente ateu e se comprazia em ostentar a todos sua
irreligião, fato que enchia de desgosto a pobre baronesa, excelente senhora e
em tudo obediente ao marido, porém em extremo religiosa.
Acredita
o povo que o ateísmo do barão do Arrenegado foi severamente punido pela
providência divina que tudo perscruta e a tudo provê. Nos encarregaremos de
revelar a forma por que tal castigo lhe foi aplicado, seguindo em tudo a tradição
popular.
***
A
antipatia contra o governo despótico de Pedro I, seus frequentes atentados às
liberdades constitucionais que jurara defender, começou a brotar de todos os
ângulos do país. Uma revolução estava eminente, porém o imperador se julgava
com força prá conjurar.
Minas
Gerais era uma das províncias onde o descontentamento lavrava mais intenso, e
Pedro I, que tinha ilimitada confiança em si, deliberou se transportar em
pessoa a Vila Rica, esperando que sua presença bastasse pra serenar os ânimos,
tal como acontecera em sua primeira excursão à velha Terra-do-Ouro, quando
ainda regente do Brasil, em nome de dom João VI.
Por
isso partiu do Rio de Janeiro, acompanhado de sua segunda esposa, e, ao passar
na fazenda do barão do Arrenegado, onde fora tratado de modo faustoso, convidou
o antigo companheiro de pândega a fazer parte da comitiva na viagem que
empreenderia. Se aprontou logo o barão, e, se despedindo da esposa, tocou a
Minas, com seu imperial patrono, satisfeito em se desenfadar um pouco da vida
monótona que passava na fazenda.
O
deixemos cavalgar à prisca Vila Rica e vejamos o que se passa em sua casa
durante sua ausência.
***
Uma
semana depois da partida do barão, vieram alguns escravos comunicar à baronesa
um fato singularíssimo e que encheu a respeitável senhora de emoção.
Diziam
esses escravos que no pasto da fazenda, bem no oco duma frondosa aroeira que
ali existia, encontraram uma Imagem da virgem Maria modelada com tanta
perfeição, que mãos humanas não podiam fazer igual e, o que era mais
extraordinário, essa primorosa peça da estatuária cristã não fora ali embutida
mas lavrada na própria casca da aroeira, da qual fazia parte integrante. Não
era crível que um artista fosse, oculto, deixar aquele atestado de devoção e talento.
O aparecimento da santa não podia deixar de ser um milagre.
Essa
notícia alvoroçou a baronesa, que nesse dia partiu à árvore de Nossa Senhora,
acompanhada de toda a escravaria e mandando cercar a imagem de círio bento, fez
rezar uma ladainha cantada, que ia entoando devotamente.
Rápida
se espalhou em toda a vizinhança a notícia do milagroso acontecimento, e
começaram a afluir devotos de toda parte, a fim de fazer preces a nossa senhora
encontrada na árvore da fazenda do barão.
O
padre do arraial vizinho, acompanhado da irmandade do Santíssimo Sacramento,
veio em procissão solene, e de cruzes alçadas, visitar a imagem, junto à qual
foi celebrada uma missa campal. Todos os devotos eram hospitaleiramente
agasalhados pela piedosa baronesa, que se sentia jubilosa por ter Deus achado
nela bastante merecimento pra que em suas terras se verificasse tão
surpreendente milagre, ainda mais encarecido pelo fato de se começar a espalhar
que um galhinho ou uma lasca da casca da aroeira santa possuía miríficas virtudes,
só o trazendo no pescoço ou num bentinho.
O
capim, que crescia em redor da árvore, foi cuidadosamente mondado pelos
devotos, sendo a baronesa a primeira a dar o exemplo tomando uma enxada e o
capinando. Um carpinteiro cercou a imagem com um bem acabado gradil, outro
artesão ladrilhou a base da árvore, e tudo corria na maior efusão de
religiosidade, quando regressou à fazenda o barão do Arrenegado, seu legítimo e
único proprietário.
***
O
barão vinha contrariado pelo desrespeitoso acolhimento que recebera em Minas o
arrogante Pedro I, a cuja sombra ele medrava.
A
velha e altiva pátria de Tiradentes recebera dessa vez de cara enfarruscada o
poderoso soberano dos Brasis. Pra ela Pedro I não era mais o penhor augusto das
liberdades nacionais, mas simplesmente o estrangeiro infenso às prerrogativas
populares, alcançadas com a independência.
Não
lhe encobriu, pois, seu desagrado. A população dos diversos lugares corria
acintosamente aos templos, quando o imperador a eles chegava, e ia assistir
missa por alma de Líbero Badaró, que seus apaniguados assassinaram em São
Paulo.
O
imperador regressara despeitado, e do mesmo modo seu válido, o barão do
Arrenegado, que mais ainda se enfureceu, quando, ao penetrar em terras da
fazenda, a viu devassada pela chusma de devotos que faziam romaria à virgem da
Aroeira.
Raivoso,
enterrou os acicates na barriga da potranca que cavalgava, e em poucos minutos
esbarrava no terreiro.
Mal
avistou a esposa e antes de a saudar, lhe perguntou, com semblante carregado:
—
Senhora baronesa, o que quer dizer todo esse povo estranho que palmilha o campo
da fazenda? Serão ciganos?! Não tenho proibido tantas vezes a entrada dessa
canalha em minhas terras?!
—
Sossegues, barão. Não são ciganos. Como foste de viagem? Te acho um tanto
abatido.
— Qual
abatido, qual nada! O que desejo é saber quem é toda essa corja de vagabundos
que aqui transita como se estivesse em casa? Por ventura receberam notícia de
minha morte? Não compreendo como, me sabendo vivo, consintas que se
desrespeitem tão injuriosamente minhas ordens? Parece que ainda valho alguma
coisa, com os diabos! Quem é aquela gente e o que quer?
— É
boa gente, barão. Gente honesta e piedosa. — Respondeu a baronesa, confusa. E
atendendo à impaciência do barão, se viu obrigada a se referir logo em seguida
toda a história da descoberta da imagem, a ladainha lá rezada, a procissão
feita pelo padre do arraial, a construção da cerca, o ladrilhamento de toda a
base da árvore, e finalmente as extraordinárias virtudes que diziam possuir a
casca e os ramos da aroeira santa.
O
barão ouviu toda a narração, mostrando visíveis sinais de impaciência e de
enfado. Os olhos passeavam sem parar da mulher às pessoas que estavam no campo.
Mal ficou inteirado de toda a história, exclamou encolerizado:
— Que
indigna comédia, senhora baronesa! Que patifaria! Não santa nem Diabo! Tudo
isso não passa de artifício desses miseráveis padres, que julgam poder me
intimidar com tão grosseiros embustes! Nunca se viu tamanha cachorrada! Não há
milagre, coisa nenhuma! Foram eles, esses patifes, que mandaram, escondido,
modelar a imagem no tronco da árvore. Foi isso e mais nada! Mas esses estúpidos
falsários se enganam se pensam que sou tão fácil em acreditar em suas
patranhas! Hoje mesmo não ficará de pé cerca, árvore, imagem, nada!
— Que
ides fazer?, meu-deus! — Exclamou a baronesa, tomada de assombro.
O
barão não lhe deu resposta. Estava quase louco de cólera. Chamando um pajem de
confiança, berrou:
—
José. Digas àquelas pessoas que andam no campo que se ponham já fora de minha
vista, e isso quanto antes, senão não respondo pelo que acontecer.
E
logo, se virando a outro escravo, gritou:
—
Sabino, vás apanhar um machado e me acompanhes. Á!, patifes. Querem se divertir
a minha custa?! Corto a vergalho aquele danado padre Manuel, pois não foi outro
o autor de tal peça!
— Por
Deus!, barão. — Disse a baronesa se enlaçando ao esposo e com o pranto
borbulhando nos olhos — O que farás?! Não chameis o castigo de Deus sobre
nossas cabeças!
O
barão, porém, não era homem pra atender a lágrima de mulher. Se desvencilhou
dos braços da esposa com um repelão e partiu à aroeira, acompanhado do crioulo
Sabino, que se armara do competente machado.
A
baronesa, consternada, e vendo que não poderia deter o furor iconoclasta do
marido, mandou acender as velas no oratório e foi rezar aos santos de sua
devoção.
***
O
barão do Arrenegado no entanto chegou à Aroeira e logo destroçou e espezinhou
cerca, círios, flores e oferendas pias que os devotos penduraram ao tronco. Em
seguida ordenou ao escravo que derrubasse a árvore.
Sabino
levantou o machado e vibrou o primeiro golpe, que penetrou fundo na Aroeira. Os
galhos mais delgados da árvore estremeceram e uma chuva de folhas miúdas caiu
no chão, ao mesmo tempo que ela exalava um gemido.
O
escravo olhou, assombrado, a copa da árvore e exclamou:
—
Sinhô, a aroeira gemeu!
— Foi
nada! — Respondeu o barão — É algum ramo que rangeu ao roçar noutro.
Sabino
deu segunda machadada, e a árvore exalou segundo gemido.
— A
aroeira tornou a gemer!, sinhô. — Repetiu Sabino, cada vez mais assombrado.
— Nada
ouvi. Cortes a árvore e não te ponhas com ideias.
O
terceiro golpe e mais um gemido. O escravo começou a tremer.
— A
árvore não pára de gemer!, meu sinhô.
—
Cortes a árvore! — Tornou, furioso, o colérico fazendeiro — Ou antes me dês o
machado, pois parece que o medo vai te tirando a força. Saias daqui! Vás ao
Inferno com tuas invenções de gemido!
E
tomando brutalmente o machado das mãos do escravo, o barão atacou resolutamente
a árvore.
Sabino
continuou a ouvir os singulares gemidos, porém o barão, ocupado na destruição
da árvore santa, não os escutava e com ardor crescente decepava a fronde.
Dentro
de alguns minutos toda a árvore estremeceu, e com mais alguns golpes a copa do
soberbo vegetal se inclinou, rangeu e caiu com medonho estrondo.
Ao se
despregar a alentada fronde da copa, a árvore escorregou a diante, ao contrário
do que desejava o barão. Antes que pudesse fugir com o corpo ao lado, foi
colhido e esmagado pelo madeiro.
Sabino,
que estava distante, deu um grito de horror e correu ao senhor. O barão do
Arrenegado estava morto!
***
A
baronesa, ao saber do ocorrido, apenas teve força pra exclamar:
— Foi
castigo, meu Deus! Meu coração bem o adivinhava!
E caiu
desmaiada nos braços das mucamas.
Levantaram
a árvore com grossos espeques. Foi retirado o corpo do barão, em péssimo
estado, e carregado à fazenda.
Ao
recobrar os sentidos a baronesa já o tinha a seu lado.
Apesar
da rispidez com que a tratava o marido a infeliz senhora tinha por ele sincero
afeto. A dor foi enorme.
Deliberou
fazer solene exéquia ao esposo, e, para esse fim, ordenou que o corpo fosse
transportado ao arraial, onde poderia ser amortalhado com a decência compatível
com sua elevada posição social e opulência.
Quase
escurecendo, partiram da fazenda doze negros conduzindo o cadáver numa rede, a
fim de ser depositado em câmara-ardente na igreja do arraial.
A
desolada viúva e as mucamas deviam, no correr da noite, se reunir ao corpo,
pois ficaram se aprontando prà viagem.
***
O
arraial distava cerca de 16km da fazenda do barão, e quando os pretos que
conduziam o corpo já estavam no meio do caminho começaram a sentir que ficava
muito pesado.
O
crioulo Sabino, que fazia parte do cortejo fúnebre, sendo o primeiro a observar
tal fato, se voltou a um preto africano, já meio velho e disse:
— Pai
Antônio, o defunto está pesando muito.
— Cala
boca, lapázi. — Respondeu Antônio,
gemendo sob a carga — É que esse que tá aí tinha pecado até nu zóio.
E lá
se foram, sacolejando o cadáver do aristocrático barão, estrada em fora.
Mas o
corpo a cada momento aumentava de peso e as mudas de carregadores tiveram que
se revezar a miúdo. Os pobres pretos quase deitavam a alma pela boca quando
deixavam o fardo.
Afinal
chegou o triste cortejo a um vasto campo, onde serpenteava a fita branca da
estrada. Ali o cadáver se tornou tão pesado que os negros caíram repentinamente
ajoelhados, vergando sobre a enorme carga.
Os
escravos, assombrados com o que acontecia, se juntaram em número de doze, pra
ver se reunidos conseguiam transportar o defunto ao arraial, que distava apenas
1km daquele lugar.
Se
aproximaram, pois, da rede, e tentaram a levantar. Mas com o esforço se quebrou
o grosso canudo de taquaraçu. Mas a rede não caiu ao chão! O maldito defunto
parecia ali pregado.
Estavam
naquela incerteza, nada podendo resolver, quando desembocaram na estrada dois
cavalheiros, que logo se ofereceram pra transportar o cadáver.
Os
negros aceitaram, embora não acreditassem que aqueles dois homens pudessem
fazer o que doze não conseguiram.
Os
cavaleiros, porém, sem que a carga parecesse superior a suas forças, colheram a
rede nos punhos, mesmo montados como estavam, a ergueram à altura dos peitos
dos cavalos e começaram a caminhar, sem prestar atenção aos asnáticos
comentários que os crioulos faziam, admirados com aquela força hercúlea.
Poucos
instantes depois os negros observaram que aos lados da rede estavam quatro
cavaleiros, sem que soubessem donde vieram os outros dois. Ao cabo de 10
minutos surgiram mais quatro, vindos sempre da mesma forma misteriosa. disse
pai Antônio aos outros:
— Ué!
Donde tá chegando turo esse gente. Cruzo!
Mal
fora feita essa observação, apareceram cavaleiros de todos os lados, que, num
berreiro infernal, dispararam com o cadáver do barão. Num abrir e fechar de
olhos, sumiram, fazendo ouvir medonho estrondo que atordoou todos os pretos. No
mesmo instante se sentiu um forte tremor de terra, e na direção em que
desapareceram os fantásticos cavaleiros se viram compridas e azuladas
línguas-de-fogo que se enroscavam no chão como cobra e nele penetravam.
— Nos
valhas, nossa senhora! — Disse o crioulo Sabino. Parceiros, aqueles cavaleiros
são soldados do Tinhoso! Vieram buscar o corpo de sinhô pra levar ao Inferno.
Nos valhas nossa senhora! estamos perdidos! Quem souber alguma reza que diga
já, senão ficamos assombrados.
— Iô
sabe rezá. — Disse pai Antônio.
Todos
os outros o rodearam imediatamente:
—
Rezes!, pai Antônio. Rezes!, pai Antônio.
Pai
Antônio se ajoelhou contritamente, juntou as mãos, e em sua atrapalhada língua
principiou:
— Iô pecandô
me confesso com um Deu tudo poduroso, bê zicancararo Santa Maria, bê
zicancararo São Migué di Acanja, bê zicancaráro São Joó di Caputisso, e Santo
de Apossa cu sua Pedro, cu sua Paulo e turo zu santo e a vussucê que peccô pro
munta vezi, pru sua curpa, sua grande curpa...
— Eu
não! — Interrompeu o crioulo Sabino — Eu não! Nunca pequei! És burro!, pai
Antônio.
—
Burro és tu, muleque, pruquê assi foi que iô prendeu.
Os
outros escravos, quase todos moleques pernósticos, desataram a rir. E assim
terminou em comédia aquela lúgubre cena.
***
Não
pára aqui a espantosa história do célebre barão do Arrenegado.
Exatamente
quando fazia um ano que Viana de Lobo sucumbira sob a aroeira de Nossa Senhora,
conta o povo haver ocorrido na fazenda um acontecimento que encheu de assombro
todos quantos o presenciaram.
Na
noite desse dia, já passadas 11h, a baronesa estava ainda desperta e orava,
cujas mágoas se aviventaram naquele dia pelo fato de ser o aniversário da morte
do esposo, quando ouviu grande tropel de cavalo.
Chamou
uma escrava, mandando pra ver o que se passava. A moça se dirigiu à sala da
frente e dali a pouco regressou, mas em tal estado de assombro que faltou força
pra explicar o que vira.
Admirada
a baronesa com o espanto que via pintado no rosto da mucama, se levantou e se
encaminhou às janelas da frente, acompanhada de diversas moças, que, com o
tropel dos cavalos e gritos que partiam do exterior, despertaram
sobressaltadas.
Fora
se passava uma cena medonha, e todos recuaram, tomados de horror e medo.
Um
magote de demônios, de formas extravagantes, cavalgando fogosos ginetes cujas
ventas despediam línguas dum fogo azul, caracolavam no terreiro, quando de
repente surgiu no meio deles um cavaleiro envolto em longo sudário branco.
A
baronesa conheceu logo esse fantasma. Era o do marido, que imediatamente tomou
a frente da cavalhada e com ela partiu em disparada ao ponto do pasto onde
outrora existira a Aroeira. Ali tudo se aniquilou com terrível estampido.
Durante
sete anos, sempre no mesmo dia do aniversário da sua morte, o fantasma do
barão, acompanhado de um esquadrão de demônios, vinha rondar no campo da
fazenda.
No
oitavo ano, porém, nada mais se viu e o que é ainda singular, sete anos
exatamente depois do infausto acontecimento, a aroeira, que até então não
brotara, tornou a vicejar, e em pouco tempo readquiriu o primitivo tamanho. Mas
Nunca mais ali se viu a imagem da santa tão impiamente destruída pelas ímpias
mãos sacrílegas do barão do Arrenegado.
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