domingo, 12 de dezembro de 2021

A alma-penada do barão (Contos de Assombração), Viriato Padilha

 

A ALMA-PENADA DO BARÃO

Barão do Arrenegado era um importante fazendeiro de Serra-Acima, muito conhecido na praça do Rio de Janeiro, com a qual entretinha assíduas relações comerciais.

A história que passamos a contar, e na qual o opulento e aristocrático barão do Arrenegado figura como principal personagem, se fixa cronologicamente no tempo de Pedro I e pouco antes da expulsão desse Bragança do Brasil.

É sabido, de todos que conhecem um pouco a história pátria, que o filho de dom João VI, depois da dissolução da constituinte, começou a temer seriamente o partido nacional, do qual eram principais chefes os ilustres Andradas, com os quais se incompatibilizara.

Por isso cogitou a formação dum partido brasileiro pra se opor àquele, e no propósito de adquirir afeiçoados distribuiu profusamente títulos e mercês honoríficas, fato que, segundo dizia Tiphis Pernambucano, célebre jornal do mártir frei Caneca, era um ultraje irrogado pelo trono aos sentimentos democráticos da nação brasileira.

Muita gente, que nunca sonhara com brasões de armas e títulos de nobreza se viu assim transformada em barões, marqueses e viscondes, se constituindo por tal meio no Brasil uma aristocracia achinelada, na frase sarcástica de Timandro, que depois também a ela entrou, aceitando o ridículo título de visconde de Inhomerim, lugarejo insignificante que existe pouco adiante de Mauá e que apenas se salienta pelas sezões e grande quantidade de mosquito.

Ora, um dos agraciados pela munificência do imperial amante de Domitila foi Francisco Viana de Lobo, que na derrama das graças abiscoitou o título de barão do Arrenegado unicamente por ter sido companheiro de deboche de Pedro I quando simples príncipe de Bragança.

Ainda por intervenção de Pedro I, o barão do Arrenegado, se casou com uma rica herdeira, e, opulento e nobre, se tornou fazendeiro.

Viana de Lobo era um homem alto, robusto, de pés e mãos enormes, olhos azuis e cabelo ruivo e duros, barba da mesma cor e consistência, sobrancelhas bastas e de fios muito longos, pele vermelha, afogueada.

Tudo em sua fisionomia tinha um cunho feroz, selvagem. À primeira vista se compreendia logo que se estava em presença dum brutamonte. E assim era. As concordâncias que Lavater encontrou entre o físico e o moral dos indivíduos se exemplificavam perfeitamente no barão do Arrenegado.

Sua índole condizia com a aspereza da fisionomia. Viana de Lobo era homem de mau bofe: Cruel aos escravos, ríspido a sua resignada e digna consorte, brutal a todas as pessoas que consigo tratavam.

Com exceção da esposa, que o adorava, sem compreender porquê, e de Pedro I, cuja índole afinava um tanto com a sua, ninguém gostava do barão do Arrenegado. Mas o que mais antipatia lhe atraía não eram o modo brusco e incivil e sim o desrespeito com que tratava as coisas da religião na qual nascera e fora batizado.

Viana de Lobo era profundamente ateu e se comprazia em ostentar a todos sua irreligião, fato que enchia de desgosto a pobre baronesa, excelente senhora e em tudo obediente ao marido, porém em extremo religiosa.

Acredita o povo que o ateísmo do barão do Arrenegado foi severamente punido pela providência divina que tudo perscruta e a tudo provê. Nos encarregaremos de revelar a forma por que tal castigo lhe foi aplicado, seguindo em tudo a tradição popular.

***

A antipatia contra o governo despótico de Pedro I, seus frequentes atentados às liberdades constitucionais que jurara defender, começou a brotar de todos os ângulos do país. Uma revolução estava eminente, porém o imperador se julgava com força prá conjurar.

Minas Gerais era uma das províncias onde o descontentamento lavrava mais intenso, e Pedro I, que tinha ilimitada confiança em si, deliberou se transportar em pessoa a Vila Rica, esperando que sua presença bastasse pra serenar os ânimos, tal como acontecera em sua primeira excursão à velha Terra-do-Ouro, quando ainda regente do Brasil, em nome de dom João VI.

Por isso partiu do Rio de Janeiro, acompanhado de sua segunda esposa, e, ao passar na fazenda do barão do Arrenegado, onde fora tratado de modo faustoso, convidou o antigo companheiro de pândega a fazer parte da comitiva na viagem que empreenderia. Se aprontou logo o barão, e, se despedindo da esposa, tocou a Minas, com seu imperial patrono, satisfeito em se desenfadar um pouco da vida monótona que passava na fazenda.

O deixemos cavalgar à prisca Vila Rica e vejamos o que se passa em sua casa durante sua ausência.

***

Uma semana depois da partida do barão, vieram alguns escravos comunicar à baronesa um fato singularíssimo e que encheu a respeitável senhora de emoção.

Diziam esses escravos que no pasto da fazenda, bem no oco duma frondosa aroeira que ali existia, encontraram uma Imagem da virgem Maria modelada com tanta perfeição, que mãos humanas não podiam fazer igual e, o que era mais extraordinário, essa primorosa peça da estatuária cristã não fora ali embutida mas lavrada na própria casca da aroeira, da qual fazia parte integrante. Não era crível que um artista fosse, oculto, deixar aquele atestado de devoção e talento. O aparecimento da santa não podia deixar de ser um milagre.

Essa notícia alvoroçou a baronesa, que nesse dia partiu à árvore de Nossa Senhora, acompanhada de toda a escravaria e mandando cercar a imagem de círio bento, fez rezar uma ladainha cantada, que ia entoando devotamente.

Rápida se espalhou em toda a vizinhança a notícia do milagroso acontecimento, e começaram a afluir devotos de toda parte, a fim de fazer preces a nossa senhora encontrada na árvore da fazenda do barão.

O padre do arraial vizinho, acompanhado da irmandade do Santíssimo Sacramento, veio em procissão solene, e de cruzes alçadas, visitar a imagem, junto à qual foi celebrada uma missa campal. Todos os devotos eram hospitaleiramente agasalhados pela piedosa baronesa, que se sentia jubilosa por ter Deus achado nela bastante merecimento pra que em suas terras se verificasse tão surpreendente milagre, ainda mais encarecido pelo fato de se começar a espalhar que um galhinho ou uma lasca da casca da aroeira santa possuía miríficas virtudes, só o trazendo no pescoço ou num bentinho.

O capim, que crescia em redor da árvore, foi cuidadosamente mondado pelos devotos, sendo a baronesa a primeira a dar o exemplo tomando uma enxada e o capinando. Um carpinteiro cercou a imagem com um bem acabado gradil, outro artesão ladrilhou a base da árvore, e tudo corria na maior efusão de religiosidade, quando regressou à fazenda o barão do Arrenegado, seu legítimo e único proprietário.

***

O barão vinha contrariado pelo desrespeitoso acolhimento que recebera em Minas o arrogante Pedro I, a cuja sombra ele medrava.

A velha e altiva pátria de Tiradentes recebera dessa vez de cara enfarruscada o poderoso soberano dos Brasis. Pra ela Pedro I não era mais o penhor augusto das liberdades nacionais, mas simplesmente o estrangeiro infenso às prerrogativas populares, alcançadas com a independência.

Não lhe encobriu, pois, seu desagrado. A população dos diversos lugares corria acintosamente aos templos, quando o imperador a eles chegava, e ia assistir missa por alma de Líbero Badaró, que seus apaniguados assassinaram em São Paulo.

O imperador regressara despeitado, e do mesmo modo seu válido, o barão do Arrenegado, que mais ainda se enfureceu, quando, ao penetrar em terras da fazenda, a viu devassada pela chusma de devotos que faziam romaria à virgem da Aroeira.

Raivoso, enterrou os acicates na barriga da potranca que cavalgava, e em poucos minutos esbarrava no terreiro.

Mal avistou a esposa e antes de a saudar, lhe perguntou, com semblante carregado:

— Senhora baronesa, o que quer dizer todo esse povo estranho que palmilha o campo da fazenda? Serão ciganos?! Não tenho proibido tantas vezes a entrada dessa canalha em minhas terras?!

— Sossegues, barão. Não são ciganos. Como foste de viagem? Te acho um tanto abatido.

— Qual abatido, qual nada! O que desejo é saber quem é toda essa corja de vagabundos que aqui transita como se estivesse em casa? Por ventura receberam notícia de minha morte? Não compreendo como, me sabendo vivo, consintas que se desrespeitem tão injuriosamente minhas ordens? Parece que ainda valho alguma coisa, com os diabos! Quem é aquela gente e o que quer?

— É boa gente, barão. Gente honesta e piedosa. — Respondeu a baronesa, confusa. E atendendo à impaciência do barão, se viu obrigada a se referir logo em seguida toda a história da descoberta da imagem, a ladainha lá rezada, a procissão feita pelo padre do arraial, a construção da cerca, o ladrilhamento de toda a base da árvore, e finalmente as extraordinárias virtudes que diziam possuir a casca e os ramos da aroeira santa.

O barão ouviu toda a narração, mostrando visíveis sinais de impaciência e de enfado. Os olhos passeavam sem parar da mulher às pessoas que estavam no campo. Mal ficou inteirado de toda a história, exclamou encolerizado:

— Que indigna comédia, senhora baronesa! Que patifaria! Não santa nem Diabo! Tudo isso não passa de artifício desses miseráveis padres, que julgam poder me intimidar com tão grosseiros embustes! Nunca se viu tamanha cachorrada! Não há milagre, coisa nenhuma! Foram eles, esses patifes, que mandaram, escondido, modelar a imagem no tronco da árvore. Foi isso e mais nada! Mas esses estúpidos falsários se enganam se pensam que sou tão fácil em acreditar em suas patranhas! Hoje mesmo não ficará de pé cerca, árvore, imagem, nada!

— Que ides fazer?, meu-deus! — Exclamou a baronesa, tomada de assombro.

O barão não lhe deu resposta. Estava quase louco de cólera. Chamando um pajem de confiança, berrou:

— José. Digas àquelas pessoas que andam no campo que se ponham já fora de minha vista, e isso quanto antes, senão não respondo pelo que acontecer.

E logo, se virando a outro escravo, gritou:

— Sabino, vás apanhar um machado e me acompanhes. Á!, patifes. Querem se divertir a minha custa?! Corto a vergalho aquele danado padre Manuel, pois não foi outro o autor de tal peça!

— Por Deus!, barão. — Disse a baronesa se enlaçando ao esposo e com o pranto borbulhando nos olhos — O que farás?! Não chameis o castigo de Deus sobre nossas cabeças!

O barão, porém, não era homem pra atender a lágrima de mulher. Se desvencilhou dos braços da esposa com um repelão e partiu à aroeira, acompanhado do crioulo Sabino, que se armara do competente machado.

A baronesa, consternada, e vendo que não poderia deter o furor iconoclasta do marido, mandou acender as velas no oratório e foi rezar aos santos de sua devoção.

***

O barão do Arrenegado no entanto chegou à Aroeira e logo destroçou e espezinhou cerca, círios, flores e oferendas pias que os devotos penduraram ao tronco. Em seguida ordenou ao escravo que derrubasse a árvore.

Sabino levantou o machado e vibrou o primeiro golpe, que penetrou fundo na Aroeira. Os galhos mais delgados da árvore estremeceram e uma chuva de folhas miúdas caiu no chão, ao mesmo tempo que ela exalava um gemido.

O escravo olhou, assombrado, a copa da árvore e exclamou:

— Sinhô, a aroeira gemeu!

— Foi nada! — Respondeu o barão — É algum ramo que rangeu ao roçar noutro.

Sabino deu segunda machadada, e a árvore exalou segundo gemido.

— A aroeira tornou a gemer!, sinhô. — Repetiu Sabino, cada vez mais assombrado.

— Nada ouvi. Cortes a árvore e não te ponhas com ideias.

O terceiro golpe e mais um gemido. O escravo começou a tremer.

— A árvore não pára de gemer!, meu sinhô.

— Cortes a árvore! — Tornou, furioso, o colérico fazendeiro — Ou antes me dês o machado, pois parece que o medo vai te tirando a força. Saias daqui! Vás ao Inferno com tuas invenções de gemido!

E tomando brutalmente o machado das mãos do escravo, o barão atacou resolutamente a árvore.

Sabino continuou a ouvir os singulares gemidos, porém o barão, ocupado na destruição da árvore santa, não os escutava e com ardor crescente decepava a fronde.

Dentro de alguns minutos toda a árvore estremeceu, e com mais alguns golpes a copa do soberbo vegetal se inclinou, rangeu e caiu com medonho estrondo.

Ao se despregar a alentada fronde da copa, a árvore escorregou a diante, ao contrário do que desejava o barão. Antes que pudesse fugir com o corpo ao lado, foi colhido e esmagado pelo madeiro.

Sabino, que estava distante, deu um grito de horror e correu ao senhor. O barão do Arrenegado estava morto!

***

A baronesa, ao saber do ocorrido, apenas teve força pra exclamar:

— Foi castigo, meu Deus! Meu coração bem o adivinhava!

E caiu desmaiada nos braços das mucamas.

Levantaram a árvore com grossos espeques. Foi retirado o corpo do barão, em péssimo estado, e carregado à fazenda.

Ao recobrar os sentidos a baronesa já o tinha a seu lado.

Apesar da rispidez com que a tratava o marido a infeliz senhora tinha por ele sincero afeto. A dor foi enorme.

Deliberou fazer solene exéquia ao esposo, e, para esse fim, ordenou que o corpo fosse transportado ao arraial, onde poderia ser amortalhado com a decência compatível com sua elevada posição social e opulência.

Quase escurecendo, partiram da fazenda doze negros conduzindo o cadáver numa rede, a fim de ser depositado em câmara-ardente na igreja do arraial.

A desolada viúva e as mucamas deviam, no correr da noite, se reunir ao corpo, pois ficaram se aprontando prà viagem.

***

O arraial distava cerca de 16km da fazenda do barão, e quando os pretos que conduziam o corpo já estavam no meio do caminho começaram a sentir que ficava muito pesado.

O crioulo Sabino, que fazia parte do cortejo fúnebre, sendo o primeiro a observar tal fato, se voltou a um preto africano, já meio velho e disse:

— Pai Antônio, o defunto está pesando muito.

— Cala boca, lapázi. — Respondeu Antônio, gemendo sob a carga — É que esse que tá aí tinha pecado até nu zóio.

E lá se foram, sacolejando o cadáver do aristocrático barão, estrada em fora.

Mas o corpo a cada momento aumentava de peso e as mudas de carregadores tiveram que se revezar a miúdo. Os pobres pretos quase deitavam a alma pela boca quando deixavam o fardo.

Afinal chegou o triste cortejo a um vasto campo, onde serpenteava a fita branca da estrada. Ali o cadáver se tornou tão pesado que os negros caíram repentinamente ajoelhados, vergando sobre a enorme carga.

Os escravos, assombrados com o que acontecia, se juntaram em número de doze, pra ver se reunidos conseguiam transportar o defunto ao arraial, que distava apenas 1km daquele lugar.

Se aproximaram, pois, da rede, e tentaram a levantar. Mas com o esforço se quebrou o grosso canudo de taquaraçu. Mas a rede não caiu ao chão! O maldito defunto parecia ali pregado.

Estavam naquela incerteza, nada podendo resolver, quando desembocaram na estrada dois cavalheiros, que logo se ofereceram pra transportar o cadáver.

Os negros aceitaram, embora não acreditassem que aqueles dois homens pudessem fazer o que doze não conseguiram.

Os cavaleiros, porém, sem que a carga parecesse superior a suas forças, colheram a rede nos punhos, mesmo montados como estavam, a ergueram à altura dos peitos dos cavalos e começaram a caminhar, sem prestar atenção aos asnáticos comentários que os crioulos faziam, admirados com aquela força hercúlea.

Poucos instantes depois os negros observaram que aos lados da rede estavam quatro cavaleiros, sem que soubessem donde vieram os outros dois. Ao cabo de 10 minutos surgiram mais quatro, vindos sempre da mesma forma misteriosa. disse pai Antônio aos outros:

— Ué! Donde tá chegando turo esse gente. Cruzo!

Mal fora feita essa observação, apareceram cavaleiros de todos os lados, que, num berreiro infernal, dispararam com o cadáver do barão. Num abrir e fechar de olhos, sumiram, fazendo ouvir medonho estrondo que atordoou todos os pretos. No mesmo instante se sentiu um forte tremor de terra, e na direção em que desapareceram os fantásticos cavaleiros se viram compridas e azuladas línguas-de-fogo que se enroscavam no chão como cobra e nele penetravam.

— Nos valhas, nossa senhora! — Disse o crioulo Sabino. Parceiros, aqueles cavaleiros são soldados do Tinhoso! Vieram buscar o corpo de sinhô pra levar ao Inferno. Nos valhas nossa senhora! estamos perdidos! Quem souber alguma reza que diga já, senão ficamos assombrados.

— Iô sabe rezá. — Disse pai Antônio.

Todos os outros o rodearam imediatamente:

— Rezes!, pai Antônio. Rezes!, pai Antônio.

Pai Antônio se ajoelhou contritamente, juntou as mãos, e em sua atrapalhada língua principiou:

— Iô pecandô me confesso com um Deu tudo poduroso, bê zicancararo Santa Maria, bê zicancararo São Migué di Acanja, bê zicancaráro São Joó di Caputisso, e Santo de Apossa cu sua Pedro, cu sua Paulo e turo zu santo e a vussucê que peccô pro munta vezi, pru sua curpa, sua grande curpa...

— Eu não! — Interrompeu o crioulo Sabino — Eu não! Nunca pequei! És burro!, pai Antônio.

— Burro és tu, muleque, pruquê assi foi que iô prendeu.

Os outros escravos, quase todos moleques pernósticos, desataram a rir. E assim terminou em comédia aquela lúgubre cena.

***

Não pára aqui a espantosa história do célebre barão do Arrenegado.

Exatamente quando fazia um ano que Viana de Lobo sucumbira sob a aroeira de Nossa Senhora, conta o povo haver ocorrido na fazenda um acontecimento que encheu de assombro todos quantos o presenciaram.

Na noite desse dia, já passadas 11h, a baronesa estava ainda desperta e orava, cujas mágoas se aviventaram naquele dia pelo fato de ser o aniversário da morte do esposo, quando ouviu grande tropel de cavalo.

Chamou uma escrava, mandando pra ver o que se passava. A moça se dirigiu à sala da frente e dali a pouco regressou, mas em tal estado de assombro que faltou força pra explicar o que vira.

Admirada a baronesa com o espanto que via pintado no rosto da mucama, se levantou e se encaminhou às janelas da frente, acompanhada de diversas moças, que, com o tropel dos cavalos e gritos que partiam do exterior, despertaram sobressaltadas.

Fora se passava uma cena medonha, e todos recuaram, tomados de horror e medo.

Um magote de demônios, de formas extravagantes, cavalgando fogosos ginetes cujas ventas despediam línguas dum fogo azul, caracolavam no terreiro, quando de repente surgiu no meio deles um cavaleiro envolto em longo sudário branco.

A baronesa conheceu logo esse fantasma. Era o do marido, que imediatamente tomou a frente da cavalhada e com ela partiu em disparada ao ponto do pasto onde outrora existira a Aroeira. Ali tudo se aniquilou com terrível estampido.

Durante sete anos, sempre no mesmo dia do aniversário da sua morte, o fantasma do barão, acompanhado de um esquadrão de demônios, vinha rondar no campo da fazenda.

No oitavo ano, porém, nada mais se viu e o que é ainda singular, sete anos exatamente depois do infausto acontecimento, a aroeira, que até então não brotara, tornou a vicejar, e em pouco tempo readquiriu o primitivo tamanho. Mas Nunca mais ali se viu a imagem da santa tão impiamente destruída pelas ímpias mãos sacrílegas do barão do Arrenegado.


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Ano de publicação: 1925.
Origem: Brasil (Nordeste)

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