quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O jabuti e o jacaré (Fábula), de Monteiro Lobato

 

O JABUTI E O JACARÉ
 

Louco de inveja da gaitinha do jabuti, o jacaré resolveu furtá-la. Para isso ficou à espera dele no bebedouro. 

— Olá, amigo jacaré — disse o jabuti aparecendo. — Que faz aí? 

— Tomando sol. 

O jabuti bebeu e pôs-se a tocar a gaitinha. 

O jacaré então disse: 

— Empreste-me um pouco isso; quero ver se sei tocar. 

O jabuti deu-lhe a gaita. Ele, pluf, atirou-se ao rio e lá se foi com ela. O jabuti danou. Passados dias, engoliu uma porção de abelhas duma colmeia e foi para o bebedouro esperar o jacaré. Escondeu-se num monte de folhas secas, apenas com a boca de fora, bem lambuzada de mel. De vez em quando soltava uma abelha: zum! 

O jacaré apareceu, e pensando que fosse uma colmeia enfiou o dedo na boca do jabuti. O jabuti, nhoc! ferrou o dedo dele. 

— Ai, ai ai! — gritava o jacaré. — Largue meu dedo! E,o jabuti 

— Só largarei se me entregar a gaitinha — e apertava o dedo do jacaré. Não aguentando mais, este gritou para o seu filho, lá longe: 

Ó Gonçalo,
meu filho mais velho,
a gaita do cágado!
A gaita do cágado!
Tango-lê-rê...
A gaita do cágado!
Tango-lê-rê... 

O rapaz, que era meio surdo, respondia: — O quê? Sua camisa, meu pai? Seu chapéu? E o jacaré, aflito: 

Não, Gonçalo,
meu filho mais velho,
a gaita do cágado!
Tango-lê-rê...
A gaita do cágado!
Tango-lê-rê... 

E o Gonçalo: 

— O que; meu pai? Suas calças? 

O jacaré tornava a repetir a cantilena — e assim uma porção de tempo até que o filho entendeu e veio com a gaitinha. Só então o jabuti largou o dedo do jacaré, que saiu ventando. 

 

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Ano de publicação: 1937.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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