terça-feira, 23 de novembro de 2021

O leão, o lobo e a raposa (Fábula), de Monteiro Lobato

 

O LEÃO, O LOBO E A RAPOSA
 

Um leão muito velho e já caduco andava morre não morre.

Mas, apegado à vida e sempre esperando, deu ordem aos animais para que o visitassem e lhe ensinassem remédios.

Assim aconteceu. A bicharada inteira desfilou diante dele, cada qual com um remédio ou um conselho.

Mas a raposa? Por que não vinha?

— Eu sei — disse um lobo intrigante, inimigo pessoal da raposa. Ela é uma finória, acha que Vossa Majestade morre logo e é bobagem andar a perder tempo com cacos de vida.

Enfureceu-se o leão e mandou buscar a raposa debaixo de vara.

— Então é assim que me trata, ó vilíssimo animal? Esquece que eu sou o rei da floresta?

— Perdão, Majestade! Se não vim até agora é que andava em peregrinação pelos oráculos, consultando-os a respeito da doença que abate o ânimo do meu querido rei. E não perdi a viagem, visto como trago a única receita capaz de produzir melhoras na real saúde de Vossa Majestade.

— Diga lá o que é — ordenou o leão, já calmo.

— É combater a frialdade que entorpece os vossos membros com um “capote de lobo.”

— Que é isso?

— Capote de lobo é uma pele ainda quente de lobo escorchado na horinha. E como está aqui mestre lobo, súdito fiel de Vossa Majestade, vai ele sentir um prazer imenso em emprestar a pele ao seu real senhor.

O leio gostou da receita, escorchou o lobo, embrulhou-se na pele fumegante e ainda por cima lhe comeu a carne.

A raposa, vingada, retirou-se, murmurando:

— Toma! Para intrigante, intrigante e meio...

 

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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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