quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Burrice (Fábula), de Monteiro Lobato

 

BURRICE

Caminhavam dois burros, um com uma carga de açúcar, outro com uma carga de esponjas.

Dizia o primeiro:

— Caminhemos com cuidado, porque a estrada é perigosa.

O outro arguiu:

— Onde está o perigo? Basta andarmos pelo rastro dos que hoje passaram por aqui.

—Nem sempre é assim. Onde passa um, pode não passar outro.

— Que burrice! Eu sei viver, gabo-me disso, e minha ciência toda se resume em só imitar o que os outros fazem.

— Nem sempre é assim, nem sempre é assim... continuou a filosofar o primeiro.

Nisto alcançaram o rio, cuja ponte caíra na véspera.

— E agora?

— Agora é passar a vau.

O burro de açúcar meteu-se na correnteza e, como a carga ia se dissolvendo ao contato da água, conseguiu sem dificuldade pôr pé na margem oposta.

O burro da esponja, fiel às suas ideias, pensou consigo:

 — Se ele passou, passarei também — e lançou-se ao rio.

Mas sua carga, em vez de esvair-se como a do primeiro, cresceu de peso a tal ponto que o pobre tolo foi ao fundo.

 — Bem dizia eu! Não basta querer imitar, é preciso poder imitar — comentou o outro.

 

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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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