terça-feira, 23 de novembro de 2021

As duas cachorras (Fábula), de Monteiro Lobato

 

AS DUAS CACHORRAS

Moravam no mesmo bairro. Uma era boa e caridosa; outra, má e ingrata. A boa, como fosse diligente, tinha a casa bem arranjadinha; a má, como fosse vagabunda, vivia ao léu, sem eira nem beira.

Certa vez a má, em véspera de dar cria, foi pedir agasalho à boa.

— Fico aqui num cantinho até que meus filhotes possam sair comigo. É por eles que peço...

A boa cedeu-lhe a casa inteira, generosamente.

Nasceu a ninhada, e os cachorrinhos já estavam de olhos abertos quando a dona da casa voltou.

— Podes entregar-me a casa agora?

A má pôs-se a choramingar.

— Ainda não, generosa amiga. Como posso viver na rua com filhinhos tão novos? Conceda-me um novo prazo.

A boa concedeu mais quinze dias, ao termo dos quais voltou.

— Vai sair agora?

— Paciência, minha velha, preciso de mais um mês.

A boa concedeu mais quinze dias, e ao terminar o último prazo voltou; mas desta vez a intrusa, rodeada dos filhos já crescidos, robustos e de dentes arreganhados, recebeu-a com insolência:

— Quer a casa? Pois venha tomá-la, se é capaz...

 

Para os maus, pau!


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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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