terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

O menino e o ladrão (Fábula), de Flávio Aviano

 

O MENINO E O LADRÃO 

Ao lado de um poço profundo, um menino fingia que chorava. Derramava, pois, lágrimas de falsa e simulada tristeza.

Um ladrão astuto, vendo-o assim, perguntou-lhe, diligentemente, a causa de sua tristeza, dizendo-lhe:

— Diz-me, belo rapaz, por que, com olhos lacrimejantes, choras tão impetuosamente?

Lastimando-se, assim respondeu o rapaz:

— Aqui vim, com um balde de ouro, para buscar água. Mas, quando a apanhava, a corda partiu-se, e o balde caiu dentro do poço. É por isso que, cheio de tristeza, eu choro.

Ouvindo tais palavras, o ladrão, astuto e ganancioso, tirou a capa e, pondo-a perto do garoto, desceu ao poço à procura do balde.

Depois, tendo já o ladrão chegado ao fundo do poço, o menino tomou-lhe a capa, e com ela fugiu à floresta, onde se escondeu. O ladrão demorou-se muito procurando o balde de ouro, mas, vendo que não podia achá-lo, e notando que perdia tampo naquela busca infrutífera, esforçou-se por sair do poço, e começou a procurar pela capa em todos os lugares. E, constatando que a capa não estava em lugar algum, porque não caíra inadvertidamente ao chão, disse, cheio de tristeza e angústia:

— Ó deuses de todos os povos! O quão justos fostes vós em vossa sentença! Os que, como eu — loucamente, com grande cobiça e avareza, atraídos por um engodo —, acreditam que vão achar um balde de ouro num poço, devem ser punidos com o infortúnio, e por justa razão.

Ninguém deve, assim, ser tão ganancioso, e nem se deixar atrair pelas coisas alheias, pois corre o risco de perder aquelas que lhe pertencem. Bem-aventurados os que se acautelam das armadilhas alheias.

 

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Versão em português de Paulo Soriano, a partir de tradução anônima espanhola de 1489.
Ilustrações de autor anônimo do século XVI (Edição de Juan Cromberger, Servilha, 1521).

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