Em épocas muito longínquas, o povo de uma
grande capital — cujo nome nos não ocorre — erigiu um lindo templo dedicado à
padroeira dos músicos — Santa Cecília, segundo a tradição.
Apenas entrou no templo, principiou a dar uns
acordes de violino tão suaves, tão expressivos, tão melodiosos, que a santa
enterneceu-se tanto com a sua pobreza e com aquela música maviosa, que — ao ele
findar — se baixou, descalçou um dos sapatos de ouro e deu-o ao infeliz
menestrel, que, doidamente alegre, bailando, cantando e chorando, ao mesmo
tempo, se encaminhou para uma ourivesaria com o fim de o trocar por dinheiro.
O joalheiro, porém, conhecendo o sapato como
sendo o da santa, prendeu o violinista, levando-o ao juiz. Formaram processo,
foi julgado e condenado à pena última.
Aproximara-se o dia da execução; os sinos
tocavam plangentemente, e o triste cortejo pôs-se em marcha, acompanhado a
cânticos dos frades que, apesar disso, não deixavam de ouvir-se os lindos
acordes que o infeliz condenado tirava do seu maravilhoso violino; era uma
última concessão que lhe havia sido dada, até soar o derradeiro instante. O
cortejo parou mesmo defronte do templo da santa e, assim que ali chegou, o
pobre músico suplicou que o conduzissem ao altar da santa, a fim de tocar o seu
último acorde melodioso.
Os frades e os chefes dos soldados que o
escoltavam, concederam-lhe essa graça, e o violinista entrou, ajoelhou-se aos
pés da padroeira dos músicos e, com os olhos marejados de lágrimas, principiou
a tirar deliciosos acordes do seu violino.
O povo, então, atônito e admirado, notou que
Santa Cecília se baixava, descalçava o outro sapato e o metia nas mãos do pobre
músico. A este maravilhoso espetáculo, todos os circunstantes levaram em
triunfo o violinista, puseram-lhe na cabeça uma coroa entrecida de flores, e os
magistrados dirigiram-lhe as mais solenes e as mais honrosas homenagens.
---
Fonte:
Tradução de Henrique Marques Júnior: "Pérolas e
Diamantes". Irmãos Grimm (1908).
Pesquisa a adequação ortográfica: Iba
Mendes Editor Digital. São Paulo, 2021.
Nenhum comentário:
Postar um comentário