terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O lavrador, seu filho e o burro (Fábula), de Justiniano José da Rocha

 

O LAVRADOR, SEU FILHO E O BURRO 

Querendo vender seu burrico, um lavrador levava-o à feira, e para ter com quem pelo caminho palestrasse, fez-se acompanhar por seu filho, mocetão de uns quinze anos. Querendo que o burro chegasse descansado, para agradar aos compradores, os dois campônios iam a pé puxando-o pelo cabresto. Onde se viu isto! disseram alguns almocreves vendo-os passar. O burro todo lépido, tendo tão belo costado; e dois marmanjos a pé, palmilhando a estrada: será penitência que fazem, ou promessa que cumprem? O lavrador não deixou de achar-lhes razão e disse: “Filho, está me parecendo que esses tratantes não lembram mal; é parvoíce ir eu, já velhusco e cansado, andando a pé, enquanto o burro vai folgado como um fidalgo. Eu monto pois, e tu vai tocando.”

Dito e feito, o lavrador se escarrapacha em cima do burrico. Sucedeu passarem duas moças: “Que desaforo! disseram: um homenzarrão, forte e valente, bem repimpado, e o pobre do menino a pé arfando para acompanhar o burro!” O lavrador refletiu no caso, e reconhecendo que era injustiça deixar o filho a pé, disse-lhe: “Monta aqui na garupa, rapaz; hás de estar cansado.” O moço não esperou que segunda vez lho dissesse, e encarapitou-se atrás do pai.

Passaram então alguns lavradores: “Oh! lá!” disseram, “parece que essa gente quer levar à feira, não um burro, porém a sua pele; como vão repimpados, e o pobre animal nem já fôlego tem.” O lavrador pensou um pouco, e disse: “Filho, eu vou apear-me, fica tu montado, e andemos de pressa”. Assim se fez.

Caminharam algum tempo, e julgava o lavrador que tudo iria bem quando encontraram um mercador, e este, achando feio que o moço fosse montado e o velho a pé, perguntou: “Então, meu principezinho, onde viu Vossa Alteza que, para fazer jornada, é conveniente trazer lacaios da idade desse que o acompanha?” — Lacaio, eu! disse o pai, não, não podemos dar ocasião a tais afrontas; filho, apeia-te, carreguemos o burro às costas; é o que nos falta experimentar, para ver se tapamos a boca do mundo. Assim fizeram; o burro andou pela primeira vez montado, e não diz a história que com isso muito se afligisse. Mal porém viram a súcia alguns rapazes desataram às gargalhadas. “Qual dos três é mais burro?” perguntaram. “Sou eu, senhores”, respondeu o lavrador, “eu que por todo o caminho levei a ouvir os remoques de cada um, e a obedecer-lhes; eu que juro daqui por diante proceder como entender, sem dar ouvidos aos ralhos dos outros, e às suas observações.”

MORAL DA HISTÓRIA: Em tudo e por tudo consulta a tua consciência e obedece-lhe; se quiseres tapar a boca do mundo nunca o hás de conseguir. 

 

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Ano de publicação: 1852.
Origem: Brasil  (imitadas de Esopo e La Fontaine)

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