Isto passou-se com um Padre, Abade rico de
uma boa freguesia, e homem bondoso e simples, que tivera uns poucos de criados
Pedros e com todos se dera muito mal.
Jurou pois que, por muito ano que vivesse,
nunca mais tomaria ao seu serviço ninguém com este nome. Não porque ele fosse
mau. Mas criara-lhe aversão, por muito mal se ter dado com o serviço de gente
assim batizada.
Ora a pessoa encarregada de lhe procurar um
criado, por mais que procurasse, ou talvez para se não incomodar a procurar
muito, encontrou um rapaz chamado Pedro, e disse-lhe que iria servir o Abade,
mas que teria de mudar o nome, ficando a chamar-se José.
Por desgraça o pobre rapaz era realmente um
Pedro das malas-artes, e logo que entrou a servir principiou a fazer disparates
que muito mal dispuseram o amo, já farto de tolos e tolices.
— José, sabes ajudar à missa (perguntou-lhe
no sábado, à noite)?
— Sei, sim senhor.
— Bem, amanhã, na missa do dia, vê como te
portas! Olha que hás de andar sempre atrás de mim.
No dia seguinte, à missa, o rapaz pôs-se
atrás do patrão e para onde ele ia, ia também, de maneira que o Padre se não
podia mexer. Não fazia senão atrapalhá-lo.
Desesperado, veio o Abade para casa e
disse-lhe, com desconfiança:
— José, tu não és José. És por força Pedro,
às tolices que fizeste hoje na missa. Tu não vias que me não deixavas mexer?
Devias andar bastante afastado de mim.
No dia seguinte vai o Padre para o altar e o
bom do rapaz, com a campainha na mão, foi-se para o fundo da Igreja, e não
houve maneira de o fazer sair dali.
O Padre estava fulo, e não fazia senão
gritar-lhe que por força era Pedro, pois todos os criados que tivera com esse
nome eram assim muito parvos.
É claro, o rapaz negava. E dizia que o tinha
mandado afastar-se, e ele assim fizera.
— Ó pateta, não é muito longe nem muito
perto. E assim à distância daquela vara de tocar os bois.
Que há de fazer o moço, no dia seguinte? Pega
na vara, espeta-a nas costas do Padre, e pôs-se a andar atrás dele, de modo que
mais parecia a sua sombra. Estava o amo cada vez mais furioso, gritando para o
rapaz que ele era Pedro, nem podia ser outra coisa!
Um dia, tinha o Abade alguns colegas para
jantar, perguntou ao rapaz se sabia cozinhar.
O Pedro disse logo que sim, mas o amo, sempre
desconfiado, foi dizendo:
— O melhor é matar-se uma galinha, que isso é
coisa que por si mesma se faz. E não mexas naquela travessa, que tem veneno
para os ratos!
Eram ovos moles, mas, como sabia que o rapaz
era guloso, foi-lhe dizendo assim.
O moço foi à capoeira buscar uma galinha,
meteu-a na cozinha onde acendera um grande lume, pôs-lhe um alguidar com água e
uma faca ao pé e foi para a casa de jantar, onde viu os ovos moles muito
amarelinhos e apetitosos. Não pôde resistir, apesar de imaginar que era veneno;
provou um bocadinho, achou doce, e enfiou a travessa toda para o estômago.
Agora o vereis: começou a gritar que estava
envenenado, fazendo tamanha berraria que alvoroçou a terra!
Chega o Abade com os amigos. Chama que chama
o criado, mas resposta nenhuma obteve. E só ouvia gritos e lamentos que mais o
intrigavam.
Vai à cozinha, e vê a galinha viva, aos
saltos, ao pé do lume, com o alguidar e a faca no meio do chão; procura o doce,
encontra-lhe o sítio; corre à sala e vê tudo cheio de gente que vinha saber o
que acontecera ao rapaz, que não se ouvia senão gritar que estava envenenado
com o remédio dos ratos...
Não podendo mais, vai ao quarto do moço e
encontra-o fingindo-se morto.
— Pedro, tu por força és Pedro! Salta cá para
fora, que tudo o que comeste era veneno, mas que não mata os Pedros.
— Senhor Abade, então não estou morto, porque
me chamo Pedro.
— Não estás, mas vais sair já para o meio da
rua, porque não fazes senão tolices. Então o jantar já está pronto?
— Eu, antes de morrer, levei a galinha para o
pé do lume, pus-lhe faca e alguidar, água e panela, para se fazer por si mesma,
como o senhor meu amo disse. Acho que deve estar contente comigo!
— Estou, estou, mas vai-te já embora, que não
te quero mais em casa.
O rapaz, muito desconsolado, lá foi para a
sua casa, mas julgando que o patrão é que era maluco e mal agradecido.
Quantas pessoas, assim como este Pedro,
embora mudem de nome e de posição, ficam sempre espertas como ele! Mas, como
ele também, julgam sempre andar bem, e que os outros é que são tolos e não se
sabem explicar.
---
Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
Nenhum comentário:
Postar um comentário