Numerosa quadrilha de ladrões assolava uma
terra, enchendo de espanto e terror todo o povo, roubando, matando e devastando
quanto encontrava.
As pessoas principais tinham fugido, e os
mais afoitos não se atreviam a pôr o pé na rua mal tocavam as trindades, pois
os malvados não respeitavam velhos nem crianças, e muitas vezes até arrombavam
as portas para roubarem as casas.
Chegou a tal ponto o descaramento que fizeram
quartel-general na Igreja da freguesia, e era ali que repartiam o fruto da sua
rapinagem.
O Sacristão, que sabia disto, andava
desesperado e todos os dias se queixava ao Abade, mas este encolhia os ombros e
dizia que se calasse, não viessem os ladrões a fazer-lhe pagar caro o
atrevimento.
O bom do homem, porém, noite e dia não
pensava senão no modo como afugentar os malvados e dar-lhes ainda uma boa
lição.
Quanto mais pensava menos encontrava. Mas por
fim, quando de tão desanimado até nem comer podia, veio-lhe uma ideia que lhe
pareceu boa.
Foi logo ter com os seus maiores amigos, o
Sapateiro e o Coveiro daquela terra, e todos três combinaram o negócio, debaixo
do mais absoluto segredo.
Uma tarde, meteram-se na Igreja, muito
disfarçadamente, pela porta da sacristia, e foram colocar-se nos lugares já
combinados: o Sacristão, no coro; o Sapateiro, no púlpito; o Coveiro atrás do
altar-mor.
Quando veio a noite abriu-se a porta
principal e os ladrões entraram com toda a arrogância e descaro, fazendo grande
motim. À ordem do capitão depuseram todos as armas e, sentados no chão,
começaram a dividir, muito satisfeitos, as sacas de dinheiro.
Quando mais entregues estavam à sua tarefa,
grita do coro, com todo o arreganho, o bom do Sacristão:
— Venham os defuntos!
E logo perguntou, do púlpito, o Sapateiro,
com voz tão cavernosa que os ladrões se levantaram todos com os cabelos em pé,
arrepiados de susto:
— Poucos ou muitos?!
Por detrás do altar-mor respondeu o Coveiro,
com voz ainda mais lúgubre:
— Todos juntos!
Não foi preciso mais. Os ladrões, julgando
ver as sepulturas abertas e os defuntos todos a persegui-los, deitaram a fugir,
deixando joias, dinheiro e mais valores que tinham roubado, só parando no meio
do campo bem longe da Igreja.
Os três amigos saltaram do esconderijo, a rir
às gargalhadas do susto dos bandidos, e trataram de fazer entre si as partilhas
da bela maquia.
Ora o Sapateiro era muito avarento, e lá por
se ver senhor de tanta riqueza não esqueceu que o amigo Coveiro lhe pedira uma
vez um tostão.
Logo que o bolo se repartiu irmãmente,
voltou-se para o companheiro e disse, com o seu ar grave e sentencioso:
— Agora, meu amigo, passa para cá o meu
tostão.
Um dos ladrões, que tinha vindo, por ordem do
capitão, espionar a Igreja, para saber a causa de tanto susto, ouviu o que
disse o Sapateiro, e fugiu espavorido, nem sequer olhando para trás,
imaginando-se perseguido por todos os mortos que ele e os seus companheiros
tinham feito.
Quando chegou ao pé do capitão e do resto da
quadrilha, ia mais morto do que vivo.
— Que há de novo? Que te aconteceu, que vens
tão enfiado (perguntaram)?!
— Fujamos, fujamos sem demora, que ainda aqui
não estamos em segurança. Eles são tantos, tantos, que da nossa riqueza tamanha
só coube um tostão a cada um. — Os ladrões não quiseram saber mais. Fugiram
para muito longe. E nem queriam ouvir falar naquela terra de onde os defuntos
os tinham corrido.
O povo cobriu de bênçãos os três amigos, o
Sapateiro, o Coveiro e o Sacristão, graças à esperteza e arrojo dos quais se
viu livre de tamanho flagelo.
Viveram muitos anos em boa paz e harmonia,
chegando a ser os mais ricos e influentes personagens da terra.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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