Era uma vez uma Raposa... Ora as raposas
têm-se na conta de muito espertas.
E todos o creem, dizendo-se até que ninguém as vence em manhas e finuras.
Tinha ela uma ninhada de raposinhos que
achava umas formosuras, mesmo umas estampas! — quando afinal, se há animais de
mau focinho, são as raposas pequenas, benza-as Deus! Mas era mãe, e as mães só
veem perfeições nos seus filhos.
A Raposa tremia de susto quando saía da toca,
não fosse lá bicho inimigo dar-lhe cabo da filharada. Noites de sossego nunca
mais tivera, e até a caça, que lhe costumava correr tão bem, era feita como que
a medo, quase sem proveito.
Ora esta Raposa tinha por compadre um Lobo de
boas maneiras e falinhas mansas, que era o terror da região. Com ele vivia em
boa harmonia, mas, pelo sim pelo não, vá de não se fiar de todo na sua bondade.
Não o dava a mostrar, mas lá de si para si tinha o Lobo na conta — merecida
afinal — do pior maroto da vizinhança.
Temendo a Raposa pela vida dos filhos, pensou
desviar qualquer ideia sinistra do Lobo com respeito aos seus pobres
cachorrinhos. E que havia de imaginar?
Foi procurá-lo e disse-lhe:
— Caro amigo e compadre, sei de uma Cadela
que tem uma ninhada de cachorros que estão mesmo a calhar para uma boa merenda
para ti.
— Dize lá onde mora, que vou já de caminho. A
caça agora não é muita, e eu ando atrasado em paparoca.
— Digo-te onde é, mas com a condição de não
comeres os meus filhos.
— Está dito. Não sabia que tinhas agora
filhos... Mas fica certa que eu hei de respeitá-los como teus e não lhes
tocarei.
Diz-me onde encontrar os cachorros da Cadela
e, se vivem perto dos teus, como hei de eu diferençá-los.
— Ora essa! (redarguiu, não pouco
escandalizada, a senhora Raposa) como hás de diferençá-los?! Muito facilmente!
Onde tu, compadre Lobo, vires uns monstruzinhos muito feios e trombudos, tens
certo o banquete que eu te vim cá descobrir. Os meus filhos, esses, são lindos
como os amores!...
— Está bem!... Fico-te obrigado, e farei como
dizes.
E foi-se o Lobo, todo lépido, em cata dos
cachorros, enquanto a Raposa, já tranquila sobre o destino dos filhos, foi
também dar o seu giro pelo mato.
De volta ao covil, a comadre Raposa ia
matutando na partida que fizera. Orgulhosa da sua obra, esfregava as patas de
contente. Que lhe importava a sorte dos filhos da pobre Cadela?! O que queria
era salvar os seus! Este egoísmo não é para admirar nos brutos — se há tanta
alma cristã que padece do mesmo pecado!
Ao chegar à toca, ficou assombrada não vendo
nem rastro dos filhos.
Correu tudo, chamou em altos gritos
soluçados, mas nada! Lembrou-se então de ir ao pouso da Cadela saber alguma
coisa. Lá estavam os cãezinhos, sãos como uns peros. A mãe, muito contente,
dava-lhes o leite a mamar, mas quando a Raposa lhe perguntou se sabia dos seus,
respondeu, contristada:
— Não sei, não. Mas olha que por aqui andou o
Lobo a rondar. Quando voltei da caça encontrei os meus cachorros cheios de
susto.
— Foi o Lobo, não há que ver, que me comeu os
filhos! (gemeu a Raposa).
E correu a procurar o Lobo.
— Então que fizeste (clamou ainda a
distância), malvado sem coração nem palavra?! Os meus filhos não os encontro, e
os da Cadela estão ainda vivos...
— Que fiz? Comi uns cachorros muito feios, de
focinhos agudos... Gordos e tenrinhos, lá isso estavam! E os teus lá os deixei
como os vi, muito espertalhotes e finos. Dou-te os parabéns, pois que são
lindos a valer.
— Pobre de mim, (gritou a Raposa
arrepelando-se) que vim meter os meus filhos na boca do Lobo!
E fugiu para a caverna, a esconder a sua dor
e a sua vergonha.
Aquela espertalhona levou assim o castigo de
querer fazer mal aos outros para se livrar a si de qualquer perigo ou desgraça.
---
Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
Nenhum comentário:
Postar um comentário