sábado, 4 de dezembro de 2021

A princesa ladrona (Fábula), de Monteiro Lobato

 

A PRINCESA LADRONA
 

Havia um pai com três filhos; um plantou um pé de laranjeira, outro plantou um pé de limeira e outro plantou um pé de limoeiro. Certo dia o mais velho foi ter com o pai e disse:

— Meu pai, já estou homem feito e quero sair pelo mundo.

O pai achou que era ainda cedo, mas o moço tanto insistiu que ele teve de concordar. E então disse:

— Pois saia, mas antes deve resolver se quer levar minha bênção com pouco dinheiro ou minha maldição com muito dinheiro.

O moço quis maldição com muito dinheiro — e o pai o amaldiçoou, depois de dar-lhe um saco de dinheiro. Antes de partir, esse moço disse aos irmãos que quando a sua laranjeira começasse a murchar isso era sinal de que se achava em grandes apuros — e eles que fossem socorrê-lo.

Combinado esse ponto, o moço partiu. Andou, andou, andou, e por fim, já muito cansado, viu uma fumaça ao longe. Encaminhou-se para lá. Era um palácio. A dona do palácio era uma princesa que o recebeu com grandes amabilidades. Jantou com ele e depois convidou-o a um passeio pela horta. Ao atravessar um riacho, a princesa ladrona ergueu o vestido de modo a mostrar o pé, e depois que voltaram à sala perguntou ao moço que é que havia visto de mais lindo na horta.

— As couves — respondeu o moço.

A princesa mordeu os lábios e convidou-o para um joguinho — e num instante ganhou todo o dinheiro que ele trazia. Depois disso mandou que seus criados o prendessem e só lhe dessem couve para comer.

Logo que isso aconteceu, lá em casa do pai do moço a laranjeira começou a murchar. O irmão do meio, vendo aquilo, foi ter com o pai e disse:

— Meu irmão está em grandes apuros e eu vou correr mundo para socorrê-lo.

O pai concordou e perguntou o que ele queria, bênção com pouco dinheiro ou maldição com muito dinheiro. Esse moço também preferiu maldição com muito dinheiro — e o pai o amaldiçoou, depois de lhe dar um saco de dinheiro — e ele lá se foi.

Andou, andou, andou até sentir-se exausto, e nesse momento viu ao longe uma fumaça. Encaminhou-se para lá. Era o palácio da princesa ladrona. A princesa recebeu-o com as amabilidades de sempre, e depois do jantar levou-o a passeio pela horta. Ao atravessar o riozinho mostrou o pé, e ao voltarem à sala fez-lhe a mesma pergunta.

— Então, que mais apreciou na minha horta?

— As alfaces — respondeu o moço.

A princesa pensou consigo que aquele era igualzinho ao outro; convidou-o para jogar, ganhou-lhe todo o dinheiro e o mandou prender, com ordem de só lhe darem alface.

Assim que isso aconteceu, lá na casa do pai do moço a limeira começou a murchar. O terceiro filho foi ter com o pai.

— Meu pai, quero sair pelo mundo em socorro dos meus irmãos; a laranjeira e a limeira estão dando sinal do grande perigo que eles correm.

— Pois vá — respondeu o pai — mas antes terá de decidir se quer minha bênção com pouco dinheiro ou minha maldição com muito dinheiro.

— Meu pai — respondeu o moço — quero sua bênção com pouco dinheiro.

O pai abençoou-o e ele partiu. Bem longe dali encontrou uma velhinha, que era Nossa Senhora disfarçada.

— Para onde vai, meu filho?

— Vou pelo mundo ganhar a vida e procurar meus irmãos — respondeu o moço.

A velhinha deu-lhe uma toalha, dizendo:

— Quando tiver fome meu filho, pegue esta toalha e diga: "Põe a mesa, toalha!" — e um banquete aparecerá.

Deu-lhe também uma bolsa, dizendo: "Esta bolsa faz o mesmo que a tolha." E deu-lhe ainda uma violinha dizendo' "Se perder a toalha e a bolsa, basta tocar nesta violinha que não sentirá fome, nem privação de nada."

O moço agradeceu os presentes e lá se foi pela estrada afora. Chegou afinal ao palácio da princesa ladrona, onde bateu e foi recebido com grandes amabilidades. Depois do jantar houve o tal passeio à horta, tudo exatinho como havia acontecido com os seus dois irmãos. De volta do passeio a princesa perguntou o que mais ele tinha apreciado.

— O lindo pé da senhora princesa — respondeu o moço gentilmente. À princesa sorriu, como quem diz: Este me serve. Em seguida convidou-o para jogar e no jogo limpou-o do pouco dinheiro que ele trazia. E também mandou que o prendessem junto com os demais.

Lá pela tarde chegou a hora de dar comida aos presos, e uma preta apareceu diante das grades com um prato de couves.

— Muito obrigado — disse o moço. — Diga à sua senhora que não preciso de nada disso. — E estendendo a toalha teve o gosto de ver surgir um verdadeiro banquete.

A prisão estava cheia de prisioneiros, todos quase mortos de fome, de modo que o regalo foi grande. A negra, que trouxera a comida, abriu a boca, assombrada.

— Minha senhora — foi correndo dizer à princesa — aquele preso de ontem tem uma toalha mágica, que basta abrir para virar num banquete.

A princesa ficou logo desejosa de possuir tal toalha, e mandou a preta saber do moço se queria vendê-la. O moço respondeu que teria muito gosto em dá-la de presente, com a condição de dormir uma noite na porta do quarto da princesa do lado de fora. A princesa danou com a resposta, que lhe pareceu um grande desaforo, mas por fim concordou.

No dia seguinte, quando a negra foi levar a couve aos presos, o moço recusou de novo, e abrindo a bolsa fez aparecer um banquete mágico, de que todos comeram até não poder mais. A negra foi correndo dizer à princesa: "Minha senhora, ele tem uma bolsa ainda mais mágica que a toalha. Aquilo é que é uma bolsa de princesa."

A princesa mandou propor a compra da bolsa, e o moço disse que lhe dava a bolsa de presente, com a condição de dormir na porta do seu quarto, mas do lado de dentro. A princesa danou, mas a negra achou que ela devia aceitar, pois que dormiria na cama e ele no chão duro. Fez-se o negócio e o moço dormiu no quarto da princesa do lado de dentro, perto da porta.

No dia seguinte a negra foi de novo levar a couve aos presos e viu o moço pegar na violinha e começar a tocar. E todos os presos puseram-se a dançar como se não tivessem fome nenhuma. E até a negra pegou fogo e pôs-se a dançar também. A festa durou tanto tempo que a princesa mandou chamar a negra.

— Ah, minha senhora, o tal moço tem uma violinha que é mesmo a maior das maravilhas. Aquilo é que é viola de princesa!

— Pois vá saber dele se quer me vender a tal viola.

A negra foi e o moço respondeu que só daria a viola se a princesa se casasse com ele.

A princesa a princípio danou, mas depois resolveu aceitar a proposta e casou-se. Então todos os presos foram soltos e houve grandes festas.

 

---
Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

Nenhum comentário:

Postar um comentário