quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

A moça do lixo (Histórias da avozinha), de Figueiredo Pimentel

 

A MOÇA DO LIXO

Passavam um dia duas fadas por um jardim formosíssimo e bem tratado, quando viram um monte de estrume que o chacareiro havia deixado para estercar a terra.

— Que coisa nojenta! Disse uma delas. Como é que se consente num jardim tão belo tamanha porcaria, ainda que seja por um momento!...

— Tive uma ideia, disse a outra. Eu fado para que essa esterqueira se transforme numa mulher tão linda como Leona, a princesa adivinha, que é a mais formosa criatura do mundo.

— E eu fado, retorquiu a outra, para que ela tenha um anel no dedo. Enquanto estiver com esse anel, só poderá pronunciar a palavra “porcaria”, sem que nada mais possa dizer. Tirando-lhe o anel, será uma moça instruída e espirituosa, ao passo que, quem o usar, ficará com o mesmo defeito.

As duas fadas desapareceram, e, do estrume, surgiu uma moça maravilhosamente formosa.

Era nos jardins reais. O príncipe, passando por acaso, viu-a e ficou apaixonado. Perguntando-lhe quem era, de onde vinha, como se chamava, só obteve em resposta:

— Porcaria! Porcaria!...

Admirado por ouvir aquela grosseria, tão suja, em boca tão formosa, sua alteza insistiu. Em vão! A deslumbrante moça respondia sempre:

— Porcaria!... Porcaria!...

O príncipe quis fazê-la sua esposa, mas o rei, os ministros, os conselheiros da coroa e os grandes dignatários não o consentiram.

Não podendo, entretanto, deixar de vê-la a todos os instantes, o futuro soberano fê-la alojar no palácio.

Tempos depois teve de se casar, como era obrigado por lei. Deram-lhe como noiva uma princesa, filha de um imperador vizinho e aliado.

Preparando-se a toilette da noiva, uma criada lembrou-se que Porcaria tinha um anel sem igual.

Tirou-o, e apresentou-o à sua nova ama, que o enfiou no dedo

Quando o cortejo chegou à igreja, na hora da celebração do casamento, perguntando o padre à noiva, se livremente recebia o príncipe, ouviu-a dizer:

— Porcaria!... Porcaria!...

Não houve meios de se lhe arrancar outra coisa:

— Porcaria!... Porcaria!... falava sempre.

O príncipe, em vista daquilo, exclamou:

— Não! Não me serve! Porcaria por porcaria, tenho lá no palácio uma melhor.

Foram buscar a outra, que encontraram falando e conversando com todo o espírito, e o casamento foi celebrado.


---
Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

Nenhum comentário:

Postar um comentário