sábado, 11 de dezembro de 2021

A lenda do Crisântemo (Lendas de plantas), de Eduardo Sequeira

 

A LENDA DO CRISÂNTEMO

Segundo reza a tradição fielmente conservada através centenas e centenas de gerações, nunca houve nas ilhas do Sol Nascente princesa mais sedutoramente formosa do que a companheira bem-amada do príncipe Yoshimitsu.

Pintor algum por mais talento que possua, não será nunca capaz de, com as cores mais finas e custosas, criar imagem mais graciosa do que a da bela japonesa.

Ela era mais fresca que as alvoradas, mais alegre que as searas maduras, mais formosa que o sol e mais sábia que o mais sábio bonzo.

A justiça vacilava em dar sentença em negócio intrincado, dois esposos desarmonizavam-se, pleiteavam vizinhos em encarniçada questão que nada parecia poder sanar, era só fazer a princesa Touki Bouki sabedora do caso e ela tudo resolvia com a mais imparcial justiça, tudo aplanava e, o que mais era digno de nota, a contento de ambas as partes que ficavam abençoando a Providência das ilhas do Sol Nascente, a boa, a doce, a justa e a santa princesa Touki Bouki.

Por isso todo o mundo a adorava, todos a bendiziam desde o miserável habitante das tristes choupanas até ao opulento morador dos labirínticos palácios construídos de porcelana e forrados de custosa seda de mil cores diversas.

Um dia porém o império onde só parecia residir a felicidade foi assolado por um terrível flagelo, uma medonha peste que dizimou espantosamente a população. Tudo era dor, lágrimas e luto.

A gente aterrada, perdia a cabeça e a nada atendia. Aglomerava-se ante os templos, pedindo aos deuses, em altos gritos, o termo da praga cruel para que não sabiam remédio.

Quem lhes valeu porém no aflitivo transe foi a boa princesa Touki Bouki. Corria de casa em casa tratando dos doentes, amortalhando os mortos de quem todos fugiam com horror, tomando conta dos pobres órfãos abandonados, consolando e animando os tristes. E a sua popularidade cresceu tão espantosamente que, quando aparecia, todos se lhe lançavam aos pés, e era adorada com fanatismo, como nenhum Deus até então o fora.

Mas — crueldade da sorte! — quando a peste terminava, quando já todos, aplacado o pavor, rendiam graças ao céu por terem escapado ao mal dizimador, a princesa atacada pela doença cruel que desbastara o seu povo estremecido, foi instantaneamente arrebatada pela morte, como se esta receasse que demorando-se alguns minutos o amor dos súditos lhe não deixasse empolgar a bela presa preciosa.

Então o luto foi geral, e todos, velhos e novos, choravam doidamente a perda da sua bondosa protetora, da sua amiga, da sua providência, do seu bem.

O enterro da santa princesa foi a coisa mais maravilhosa que sonhar-se pôde. Toda a nação a acompanhou até junto da sepultura aberta no centro de um extenso e alegre campo de arroz.

Poucos dias depois — caso estranho! — o local onde jazia o corpo da gentil princesa assinalava-se por uma profusão de flores estranhas, desconhecidas de todos, que espontaneamente brotaram do solo, com as pétalas graciosamente encaracoladas como o fora o cabelo da morta gentil, e de mil coloridos diversos desde o negro como os seus olhos negros, vermelho tão vivo como o que em vida lhe tingia os lábios, e amarelo intenso como o oiro dos seus cabelos até ao branco impecável da sua alma puríssima.

De toda a parte, desde os mais remotos confins do império, o povo, celebrando o milagre, corria a visitar o túmulo milagroso para colher hastes das plantas sagradas que se tornaram logo as prediletas de todos, espalhando-se rapidamente por todo o país.


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Ano de publicação: 1892
Origem: Portugal
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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