Quando Nosso Senhor Jesus Cristo e São Pedro
andavam por este mundo, não tinham terras de lavoura ou pastagem nem cofres com
dinheiro. Mas do que ganhavam, com o seu trabalho e saber, ou lhes davam,
dividiam ainda com os mais pobres.
Iam de longada, certo dia, através da
montanha, e encontraram no caminho quatro bacorinhos muito fortes e sadios, mas
grunhindo com fome e ainda atrapalhados no andar. Então o Senhor, que tudo
sabia, disse para São Pedro:
— Toma esses leitões, porque não têm dono.
Podes ficar com eles, Pedro, sem prejuízo para ninguém. Dá-os de meias a criar.
E com o que nos couber da nossa metade no produto da venda, se fará, depois,
algum bem.
São Pedro pegou nos bacorinhos e, muito
contente só com a ideia das esmolas que viriam a fazer, seguiu o Mestre. Foram
andando, subiram e desceram ladeiras, e chegaram por fim a terras povoadas.
Num dos casais que atravessaram, estava uma
pobre mulher junto do chiqueiro a deitar comida a um porquinho magro e
enfezado, que era toda a sua fartura do ano.
Foi esta mulher que São Pedro escolheu para
guardar os leitões achados, porque, assim, já com eles ajudavam a pobreza.
— Toma conta destes animais (disse o bom São
Pedro para a camponesa). Ficam para criar a meias. E assim queremos ajudar-te
na tua necessidade. Daqui por um ano cá estaremos, o meu companheiro e eu, para
fazermos as partilhas.
A mulher ficou muito contente e agradeceu a
esmola que lhe caía do céu, e prometeu cuidar o melhor que pudesse dos quatro
bacorinhos que ficavam à sua guarda.
Foi passando o tempo. Os quatro animais
cresciam a olhos vistos e eram a admiração de toda a gente da vizinhança e das
terras em redor.
A camponesa estava muito satisfeita com a
sorte que lhe entrara em casa. Mas, por outro lado, e porque não era verdadeiramente
boa e justa, começou a sentir-se desgostosa por ter que partilhar a metade
certa do grande lucro que esperava. E a cobiça entrou a combater a fidelidade
no seu desagradecido coração.
Passou depressa um ano. Vencida pela cobiça,
pensou a mulher aproveitar-se da boa fé de quem nela confiara, e guardar para
si, com engano e mentira, a maior parte dos lucros.
Antes de nascer o sol, no dia em que deviam
fazer-se as partilhas, foi esconder e fechar dois dos animais, confiados à sua
guarda, num curral que estava na extrema do campo e já nas abas do monte. E,
preparando o engano, aguardou muito sossegada.
Quando viu chegar o Senhor e o seu
companheiro, foi a mulher enganadora, fazendo-se inocente, buscar ao chiqueiro
os dois cevados que lá deixara. E preparava-se para contar a São Pedro uma
história, em que muito matutara, sobre a falta de sorte que tinham tido. Mas o
Senhor nem a deixou começar, e perguntou-lhe com voz serena:
— Onde estão os outros dois?
A mulher ficou abalada ao ouvir aquela voz e
a pergunta de tanta certeza, e ainda pensou em voltar atrás no que tinha feito
e pedir perdão para o seu erro. Mas pôde mais a maldade que esse clarão de
arrependimento, e julgou desculpar-se respondendo:
— Os outros dois morreram. Fiquei só com
estes, que, por sorte, ainda nos darão boa paga, pois estão muito crescidos e
gordos.
O Senhor, que sabia sempre a verdade, e
conhecia as fraquezas e a malícia dos corações infiéis, não quis dar àquela
pecadora todo o castigo merecido. Quis antes dar-lhe motivo de arrependimento,
e aceitou partilhar apenas os dois animais que a mulher apresentou, para assim
mesmo a castigar.
E para exemplo de guardas infiéis, falou o
Senhor, ao mesmo tempo castigando e perdoando:
— Pois estes dois, que aqui estão, Só teus e
nossos serão.
E os que tens além, fechados, Por essas
serras irão, E em feras serão tornados.
Ergueu o Senhor a Sua mão direita.
Ouviu-se um grande estrondo no curral onde
estavam escondidos e presos os dois animais, e, pela porta escancarada, saíram
ambos, feitos feras, a correr para o monte.
E, segundo contam os antigos, foi assim que
apareceram os primeiros porcos bravos ou javalis.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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