sábado, 4 de dezembro de 2021

A formiga e a neve (Fábula), de Monteiro Lobato

 

A FORMIGA E A NEVE 

Uma vez uma formiga, que andava pelos campos, ficou com as perninhas presas na neve.

— Ó neve valente que meus pés prende! — exclamou a formiga, e a neve respondeu:

— Sou valente mas o sol me derrete. A formiga voltou-se para o sol:

— Ó sol valente que derrete a neve que meus pés prende! — e o sol respondeu:

— Sou valente mas a nuvem me esconde.

— Ó nuvem valente que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! — e a nuvem respondeu:

— Sou valente mas o vento me desmancha.

— Ó vento valente que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! — e o vento respondeu:

— Sou valente mas a parede me para. A formiga voltou-se para a parede:

— Ó parede valente que para o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! — e a parede respondeu:

— Sou valente mas o rato me fura. A formiga voltou-se para o rato:

— Ó rato valente que fura a parede que para o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! — e o rato respondeu:

— Sou valente mas o gato me come. A formiga voltou-se para o gato:

— Ó gato valente que come o rato que fura a parede que para o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! — e o gato respondeu:

— Sou valente mas o cachorro me pega.

A formiga voltou-se para o cachorro:

— Ó cachorro valente que pega o gato que come o rato que fura a parede que para o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! — e o cachorro respondeu:

— Sou valente mas a onça me devora. A formiga voltou-se para a onça:

— Ó onça valente que devora o cachorro que pega o gato que come o rato que fura a parede que para o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! — e a onça respondeu:

— Sou valente mas o homem me caça. A formiga voltou-se para o homem:

— Ó homem valente que caça a onça que devora o cachorro que pega o gato que come o rato que fura a parede que para o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! — e o homem respondeu:

— Sou valente mas Deus pode comigo. A formiga voltou-se para Deus:

— Ó Deus valente que pode com o homem que caça a onça que devora o cachorro que pega o gato que come o rato que fura a parede que para o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende!

Deus respondeu:

— Formiguinha, acaba com essa história e vai furtar.

É por isso que a formiga vive sempre na maior atividade, furtando, furtando.

 

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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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