quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

A casa mal-assombrada (Histórias da avozinha), de Figueiredo Pimentel

 

A CASA MAL-ASSOMBRADA
 

Isolada de outras habitações havia uma casa onde ninguém morava, porque se dizia que era mal-assombrada; à meia-noite ouviam-se ruídos de correntes, gritos, gemidos e suspiros, e uma luzinha brilhava, ora numa janela, ora noutra. O proprietário não achava alugador, e mesmo não queria saber dela, que ia se arruinando pouco a pouco.

Um dia procuraram-no duas mulheres – mãe e filha – muito pobres, que acabavam de ser expulsas da casinha em que moravam. Pediam-lhe licença para ocupar a casa mal-assombrada.

O homem admirou-se daquele pedido, e depois de avisá-las dos perigos que corriam, consentiu sem dificuldade.

As duas mulheres no mesmo dia mudaram-se.

Eram onze horas da noite quando foram se deitar, nada tendo visto nem ouvido de extraordinário. A mãe, como já era velha, e se sentia cansada das arrumações, dormiu logo. A filha, porém, ficou acordada, rolando na cama, sem conseguir adormecer.

Uma hora depois, ouviu o sino da matriz bater meia-noite. No mesmo instante a moça escutou um ruído estranho, enquanto uma voz gemia:

— Eu caio!... Eu caio!...

Ela olhou para cima, de onde parecia vir a voz. Nada viu, mas disse:

— Pois caia, com Deus e a Virgem Maria!

Do teto do quarto caíram duas pernas.

A mesma voz assim falou mais três vezes, e a rapariga dando sempre a mesma resposta, viu cair sucessivamente o tronco, os braços e a cabeça de um homem.

Os quatro pedaços reuniram-se, e apareceu uma criatura humana, tão pálida como um cadáver, que lhe falou:

— Se não tens medo, vem comigo.

Adelaide acompanhou-o atravessando toda a casa, até chegarem ambos ao quintal.

Aí debaixo de um tamarindeiro, o morto mandou-a cavar a terra, encontrando uma lata com dinheiro, que transportaram para dentro.

Chegando ao quarto, disse-lhe o defunto:

— Eu sou uma alma penada, que ando sofrendo por causa deste dinheiro. Quando era vivo, roubei-o de uma pobre viúva, desgraçando-a, bem como aos órfãos, seus filhos. Deste dinheiro, a metade é para você e sua mãe, e a outra metade é para distribuir com os pobres, e mandar dizer cem missas por minha alma.

Acabando de falar, a alma penada desapareceu.

Adelaide fez tudo o que ele havia mandado, e ficou rica para o resto de sua vida.

 

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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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