terça-feira, 28 de dezembro de 2021

A avidez castigada (Fábula), de Justiniano José da Rocha

 

A AVIDEZ CASTIGADA 

Nos tempos antigos, quando ainda se usava de arco e flecha, um caçador a quem a fortuna favorecera matou uma corsa, e logo após um gamo. Ambos estavam estendidos no chão, e ainda não satisfeito, o caçador não tratava de retirar-se; passa um javali; como privar-se de tão bela presa! Dispara-lhe o caçador o arco; cai a fera estrebuchando, mas não morta. O caçador prepara nova flecha com que a acabe; vê ao longe uma perdiz; nada farta a vasta fome de um fazedor de conquistas! À perdiz pois vai dirigir-se, e descuida-se do semimorto javali; este ergue-se vingativo, e em último esforço investe para o inimigo, e com ele sucumbe. A perdiz lho agradece.

Chega entretanto um lobo já com a pele em cima dos ossos, e dentes de polegada e meia; vendo quatro corpos (e que corpos!) o mísero exulta: Ó fortuna, quanto te agradeço! exclama; todavia não sejamos desperdiçados; nem todos os dias são como este. Tenho aqui provisões para quatro semanas. Um corpo por semana; que fartura! Comecemos amanhã; por hoje, vamos comendo a corda deste arco; é feita de tripa, e ainda está fresca; como cheira!

Assim falando atira-se ao arco, e tão asselvajadamente, que a flecha, preparada para a perdiz, desprende-se, e o mata.

MORAL DA HISTÓRIA: O cobiçoso sempre ensurdece à voz da prudência. Basta; goza do que tens, diz-lhe esta. — Sim, hei de fazê-lo amanhã. Esse amanhã não chega, enquanto mal sucedida empresa não lhe traz a ruína.

 

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Ano de publicação: 1852.
Origem: Brasil  (imitadas de Esopo e La Fontaine)

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