Zeneida tinha um namorado com quem queria a
todo o transe casar-se. Sendo ele, porém, um homem do povo, conquanto honrado e
trabalhador, a família dela, orgulhosa, com fumaças de fidalguia, e rica, não o
consentiu, e tratou de lhe arranjar outro casamento.
Apresentando-se como pretendente um velho,
que enriquecera no comércio, o pai obrigou-a a aceitá-lo por noivo. A moça
obedeceu, a seu pesar, não gostando daquele marido que lhe ofereceriam, e não
se tendo esquecido do seu apaixonado.
Realizadas as bodas, os noivos partiram para
uma longa viagem que devia durar três meses.
***
Uma vez estavam jornadeando, e tiveram que
passar um rio, largo e fundo, sobre uma estreita ponte de madeira. Zeneida,
alegando muito medo, fez o marido passar adiante, e, quando se viram em meio,
atirou-o à água.
Na ocasião em que estava prestes a se afogar,
o velho ricaço, antes de desaparecer submergindo, exclamou:
— Deixe estar malvada, que minha alma te há
de perseguir!...
Desde esse dia, uma voz invisível
acompanhou-a sem cessar, noite e dia repetindo todas as palavras que ela
pronunciava.
A rapariga foi obrigada a se fingir muda, receosa que viessem a descobrir o seu crime.
***
Continuando a viagem sozinha, Zeneida foi ter
a um grande país, a cuja capital chegou.
Aí, passeando pelos arredores, foi vista por
um príncipe, que dela se apaixonou, dirigindo-lhe declarações de amor, e
terminando por pedi-la em casamento.
Por meio de gestos mímicos, ela fez
compreender que aceitava, mas que não podia falar por ser muda.
O príncipe ficou sentidíssimo, porque a lei
vedava-o casar com qualquer moça que não fosse absolutamente perfeita. Todavia
mandou levá-la para o paço, confiando-a aos cuidados dos mais notáveis médicos
do reino, que a examinaram, desenganando-se de curá-la.
Quando se achava a sós, Zeneida tentava
falar. Mas, à menor palavra, que pronunciasse, a alma do seu marido a repetia,
e mesmo conversavam.
Um dia soube que o príncipe ia casar-se,
vendo que ela não ficava boa.
A noiva devia chegar nessa manhã, e todos os
criados do palácio tinham ido ver o seu desembarque.
Zeneida, ficando sozinha, dirigiu-se à
cozinha real, também abandonada, onde se preparava o banquete. Destampou uma
panela, e provando o guisado, exclamou:
— Oh! como está gostoso!
— Oh! como está gostoso, repetiu a alma.
— Queres um bocadinho?
— Quero.
— Então, chega-te aqui, para a ponta de meu
dedo!
A alma chegou-se, e, assim que a sentiu bem
na extremidade do indicador, Zeneida estalou o dedo no fogão.
Ouviu-se um grande estrondo, e ela disse com
um suspiro de alívio:
— Uff! Felizmente estou livre!
Falou, cantou, recitou, e não ouviu mais a
voz da alma que a importunava.
Foi se vestir deslumbrantemente.
O cortejo da nova princesa já havia chegado
ao palácio.
Zeneida dirigiu-se para o salão, onde viu a
noiva sentada num trono, junto ao príncipe.
Ao avistá-la, a noiva, querendo fazer
espírito, perguntou:
— Esta é muda mudona?
A outra retorquiu:
— E esta é a noiva noivona, que já está tão
sabichona?
Admirado de ouvi-la falar, o príncipe
desmanchou o casamento com a primeira, vindo a se casar com Zeneida.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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