quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O rato orgulhoso (Fábula), de Monteiro Lobato

 

O RATO ORGULHOSO
 

Um rato fazedor de grande ideia de si mesmo, vivia esperando ocasião de realizar coisas que mostrassem a sua importância. Certa noite acordou de sobressalto. A casa estava queimando. O rato ficou aflitíssimo, sem saber como escapar. 

As labaredas, porém, cresciam e ele teve de resolver-se; ou ficava ali, e morria assado, ou escapava. Fechou os olhos e lançou-se ao fogo. 

Mas; sem saber como, não se queimou. Achou-se lá fora, sem o menor tostadinho no pelo. Isto o encheu de enorme orgulho. 

— Qual! Sou mesmo diferente dos outros. Nem as chamas têm coragem de me queimar... 

Passeou por ali uns instantes e voltou a ver o estado do incêndio. Só então percebeu que não tinha havido incêndio nenhum. Os raios do sol, que se iam erguendo, é que lhe deram a impressão de fogo. 

O rato suspirou. A sua importância não era o que ele havia suposto. Mas que fazer para provar tal importância? 

A pouca distância havia um morro altíssimo. 

— Eis uma boa façanha para um rato como eu: dar um pulo e cair lá em cima do morro! 

Preparou cuidadosamente o pulo e pulou. Novo desastre. Em vez de alcançar o alto do morro, caiu em cima dum montinho de areia, a seis palmos de distância. 

O rato entristeceu. Estava custando a provar ao mundo a sua importância. 

Olhou. Viu um lago que lhe pareceu enorme. Foi para lá. Mediu a distância. 

— Se consigo atravessar a nado este aguão, todos os animais têm que reconhecer em mim um verdadeiro herói. 

Lançou-se à água, nadou, e por fim chegou ao meio do lago. Sentia na cauda o peso de milhares de peixes agarrados a ela. Estava já cansadíssimo, de modo que teve de empregar todas as forças para chegar à margem oposta. Chegou, afinal. Uf! 

— Canseira assim jamais senti. Mas não é para menos. Acabo de atravessar um dos maiores lagos do mundo.

Prestando melhor atenção, porém, viu que não havia atravessado lago nenhum, e sim uma pocinha lamacenta. Os tais peixes que se agarraram à sua cauda não passavam de vermes da lama. 

O rato ficou aborrecidíssimo, mas mesmo assim não abandonou o plano de fazer grandes coisas. 

Longe dali havia um pau, que lhe deu a ideia de estar espetado no céu. "Oh; lá está uma grande coisa a fazer. Visivelmente aquele pau está sustentando o céu. Se eu o derrubar, o céu cai. O mundo inteiro ficará esmagado, mas eu provarei a minha importância." 

Foi. Examinou bem o pau e depois abriu um buraquinho para esconder-se quando o céu viesse caindo. Feito isso, pôs-se a roer a madeira. Roeu, roeu, roeu, e quando viu que o pau estava cai não cai, correu a esconder-se no buraco. 

— Pobre mundo! Vai ficar inteirinho achatado pelo céu!... 

Esperou uma porção de tempo. Não ouviu barulho nenhum. 

— Que será que houve? 

Talvez o céu ficasse enganchado na lua — e com mil cautelas botou a cabeça fora do buraco, para espiar. 

Que desapontamento! O céu azul lá estava no lugar de sempre, com um grande sol no meio. O ratinho olhou para o pau caído: era uma simples vara. 

O ambicioso sentiu grande tristeza, mas não desanimou. "Hei de fazer uma coisa grande, custe o que custar. Hei de transportar este monte daqui para o oceano." Disse e pôs-se ao trabalho. Foi furando o monte e carregando a terra aos bocadinhos até o mar. Passou nisso anos e anos, até que um dia olhou e não viu mais o monte. Ele realmente o havia transportado para o mar. 

— Hum! Agora compreendo como se fazem as grandes coisas. É à força de muito trabalho e muita paciência. 

E morreu feliz por haver realizado um sonho de grandeza.

 

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Ano de publicação: 1937.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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