sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O macaco, a onça e o veado (Fábula), de Monteiro Lobato

 

O MACACO, A ONÇA E O VEADO

 Uma vez uma onça convidou um veado para ir com ela à casa dum compadre. Foram. Como houvesse no caminho um ribeirão a atravessar, a onça enganou o veado, dizendo que não tivesse medo, pois era água rasinha. O veado meteu-se no ribeirão e quase se afogou. 

Seguiram. Vendo umas bananeiras logo adiante, a onça propôs: 

— Amigo veado, vamos comer bananas. Você sobe e pega as verdes, que são as melhores, e me atira as amarelas, que não valem nada. 

O veado subiu, jogou as amarelas para a onça e ficou com as verdes, que não pôde comer. Desceu com o estômago no fundo, enquanto a onça arrotava de gosto. 

Seguiram. Adiante encontraram uns trabalhadores capinando a roça. 

A onça disse: 

— Amigo veado, quem passa junto daqueles homens deve dizer: "Que o diabo os carregue!" É uma saudação que deixa os homens contentíssimos. 

O bobo do veado foi e disse aos trabalhadores: "Que o diabo os carregue!" mas os homens, furiosos, soltaram-lhe os cachorros em cima e quase o pegaram. Já a onça ao passar por eles, o que disse foi: "Deus ajude a quem trabalha!" E os homens, muito satisfeitos com a frase, deixaram-na passar sossegadamente. 

Adiante a onça viu uma cobrinha coral. 

— Olhe, amigo veado, que lindo colar vermelho. Leve-o para pôr no pescoço de sua filha. 

Assim que o veado foi pegar aquilo, a cobra deu-lhe um bote, que por um triz o não alcançou. 

Finalmente chegaram à casa do compadre. Era quase noite, de modo que depois duma prosinha trataram de dormir. O veado armou uma rede a um canto e logo ferrou no sono. A onça, então, foi pé ante pé ao curral, comeu uma ovelha e trouxe uma cuia de sangue, que derramou em cima do veado. Depois deitou-se e dormiu regaladamente. 

De manhã o compadre foi ao curral e percebeu que lhe haviam comido uma ovelha. Desconfiou logo da onça. 

— Eu, comer sua ovelha, compadre? 

Que ideia! Olhe como estou sem o menor sinal de sangue. Talvez fosse o veado... O compadre olhou para o veado e o viu todo sujo de sangue. 

— Ah, ladrão! — e deu-lhe de cacete até matar. 

A onça despediu-se do compadre e lá se foi, muito lampeira. 

Dias depois convidou o macaco para outra visita ao compadre. O macaco aceitou. Foram. No ribeirão a onça veio com a mesma história: 

— Passe sem medo, macaco. A água é rasinha. 

Mas o macaco, que tinha sabido da história do veado, não foi na onda. 

— Nada! — disse ele. — Passe você primeiro, para eu ver se a água é mesmo rasinha como diz — e a onça não teve remédio senão passar na frente. 

Lá nas bananeiras o macaco subiu, mas comeu todas as amarelas e à onça só deu as verdes. Furiosa do logro, a onça foi pensando: "Ah, bicho duma figa! Eu ainda acabo lanhando esse lombo com as minhas unhas!" 

Quando chegaram à roça dos trabalhadores, a onça avisou: 

— Escute, macaco. A saudação que esses homens gostam é assim: "O diabo leve quem trabalha!" — mas ao passar por eles o macaco disse coisa diversa: "Deus ajude a quem trabalha!" — e os homens, deixaram-no passar. 

Quando encontraram a cobrinha e a onça lembrou que era um ótimo colar para a mulher do macaco, este respondeu: 

— Está me parecendo muito melhor para pulseira de uma filha de onça! — e não quis saber de pôr a mão na cobra. 

Chegaram por fim à casa do compadre. Depois duma prosinha foram deitar-se. O macaco, sabidão, armou sua rede bem alto; deitou-se e fingiu dormir. A onça foi ao curral e comeu outra ovelha, vindo com a cuia de sangue lambuzar o macaco. Mas este arrumou com o pé na cuia, de modo que o sangue caiu em cima da onça. 

Indo pela manhã ao curral, o compadre deu pela falta da ovelha. 

— Que coisa esquisita! Sempre que a onça vem cá, desaparece-me uma ovelha... 

E foi para casa, furioso da vida. Deu com a onça roncando — fingindo que dormia, mas lá do alto de sua rede o macaco apontava para ela, dizendo: 

— Veja como está barreadinha de sangue. 

— Desta vez me paga! — gritou o compadre, e apontando a espingarda, pum! — matou a onça.

 

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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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